ARTIGO ORIGINAL

Aspectos valorizados pelos enfermeiros perante a dor crônica de uma pessoa em cuidados paliativos

Aspects valued by nurses in the face of chronic pain of a person in palliative care

Aspectos valorados por las enfermeras ante el dolor crónico de una persona en cuidados paliativos

Sá, José;[1] Teixeira, Joana[2]

RESUMO

Objetivo: identificar os aspectos valorizados pelos enfermeiros de uma unidade de cuidados continuados perante a dor crônica de uma pessoa em cuidados paliativos. Método: estudo qualitativo, descritivo, exploratório, sob a perspectiva construtivista. Coleta de dados efetuada através de entrevista semiestruturada a sete enfermeiros de Portugal de forma não aleatória, e realizada análise de conteúdo. Resultados: através dos relatos dos participantes identificou-se que os enfermeiros perante a dor crônica valorizam vários aspectos, como: comunicação verbal e não-verbal, dimensão psicológica, dimensão emocional, reações físicas, resposta alimentar e a sintomatologia. Conclusões: é fundamental a implementação de uma abordagem que privilegie a pessoa e que a dor seja entendida numa dimensão científica, antropológica e subjetiva. Os enfermeiros devem assim desenvolver uma atitude de avaliação e de escuta ativa de forma a determinar e caracterizar a dor no sistema pessoal e familiar.

Descritores: Cuidados paliativos; Dor crônica; Enfermeiros

ABSTRACT

Objective: to identify the aspects valued by nurses in a care unit in the face of chronic pain of a person in palliative care. Method: qualitative, descriptive, exploratory study. Data collection was performed through semi-structured interviews with seven nurses at random, and content analysis was performed. Results: through the participant´s reports, we found that nurses in the face of chronic pain value several aspects, such as: verbal, non-verbal communication, psychological dimension, emotional dimension, physical reactions, food response and symptomatology. Conclusions: it is essential to implement an approach that privileges the person, and that pain is understood in a scientific, anthropological, and subjective dimension. Nurses should thus develop an attitude of evaluation and active listening to determine and characteristic pain in the personal and family system.

Descriptors: Palliative care; Chronic pain; Nurses, Male

RESUMEN

Objetivo: identificar los aspectos valorados por las enfermeras en una unidad de cuidados ante el dolor crónico de una persona en cuidados paliativos. Método: estudio cualitativo, descriptivo, exploratorio. La recolección de datos se realizó a través de entrevistas semiestructuradas con siete enfermeras, y se realizó un análisis de contenido. Resultados: a través de los informes de los participantes, se encontró que las enfermeras frente al dolor crónico valoran varios aspectos, tales como: comunicación verbal, no verbal, dimensión psicológica, dimensión emocional, reacciones físicas, respuesta alimentaria y sintomatología. Conclusiones: es fundamental implementar un enfoque que privilegia a la persona y que el dolor se entienda en una dimensión científica, antropológica y subjetiva. Por lo tanto, las enfermeras deben desarrollar una actitud de evaluación y escucha activa para determinar y característica del dolor en el sistema personal y familiar. Descriptores: Cuidados paliativos; Dolor crónico; Enfermeros

INTRODUÇÃO

A “Arte do Cuidar” remete-nos para o início da história, uma vez que desde sempre se tornou imprescindível para a vida dos seres humanos. Porém foi Florence Nightingale, que alertou pela primeira vez para a necessidade de criar uma profissão que tivesse como objetivo o cuidar das pessoas.1 Podemos referir, que há dois tipos de cuidar os cuidados habituais do dia a dia, ligados às funções de continuidade da vida e manutenção (comer, beber e tudo o indispensável para a vida), e os cuidados de reparação que abrangem o tratamento da doença e todo o tipo de obstáculos que se deparam para a continuidade da vida.2

Os cuidados paliativos, por sua vez, procuram humanizar a relação entre enfermeiro, paciente e família, promovendo o conforto, alívio do sofrimento e concomitantemente uma maior qualidade de vida.3 Existindo um certo vazio de oferta de cuidados ativos e personalizados a pessoas que experienciam a incurabilidade da doença e a dor crônica, os cuidados paliativos são um elemento essencial na sociedade moderna ao proporcionar ao doente e família um apoio ativo, especializado e humanizado, facilitando o alívio do sofrimento e dando a oportunidade de preservar a dignidade. Contudo a maioria dos doentes que carece deste tipo de cuidados continua internado em unidades de saúde orientados para a cura, e não para um cuidar com uma visão integradora da multidimensionalidade da pessoa não curável e com dor crônica.2

É, no entanto, importante salientar que os profissionais que pretendam simultaneamente tratar e cuidar, devem ter em consideração a pessoa doente como única, indivisível, e respeitar a sua singularidade na situação específica de doença que vivencia.

O cuidar da pessoa que está a vivenciar a última etapa da vida exige dos profissionais de saúde, e nomeadamente dos enfermeiros, intervenções cujas competências supram as necessidades físicas, psicológicas, espirituais e sociais. cuidar da pessoa em fim de vida e família é um valor que determina a forma como aquela pessoa se situa em relação ao período de vida que está a experienciar.4 O cuidar é uma função fundamental à sobrevivência das pessoas e da sociedade, sendo que é necessário um investimento no desenvolvimento de habilidades no processo de escuta ativa, linguagem não verbal, observação e avaliação das reais necessidades do indivíduo acometido ao processo de doença.4

Neste sentido importa referir que por mais evolução tecnológica que possa existir, neste âmbito do cuidar é fundamental que não se percam intervenções como o toque terapêutico com vista a uma prática mais humanizada.5

A ciência torna-se desumanizante quando o ser humano fica reduzido a um mero objeto despersonalizado. Um hospital pode ser de topo do ponto de vista tecnológico, mas por outro lado ser desumano e sem alma no atendimento. Isso acontece quando os indivíduos humanos são cuidados como simples objetos de intervenção técnica, e não como um ser dotado de toda uma componente biopsicossocial. Desta forma, é fundamental reconhecer que cuidar para cada pessoa tem um sentido, e a sua individualidade tem implicação na forma como define o sentido das coisas, ações e acontecimentos, inclusivamente a forma como reconhece o seu processo de doença e as necessidades específicas inerentes.2

A dor é considerada um dos grandes problemas de saúde atualmente devido ao envelhecimento da população que acarreta um aumento da prevalência de doenças crônicas e degenerativas.6

A pessoa em cuidados paliativos com dor crônica constitui assim um desafio na atualidade para o enfermeiro na medida que exige uma a abordagem centrada na pessoa. A dor surge no indivíduo como uma limitação da atividade, do pensamento ou ato de viver, interferindo nas relações sociais.7 Salientamos assim que cuidar da pessoa em cuidados paliativos com dor crônica exige que os profissionais de saúde “abandonem” a exclusividade do modelo biomédico, pois a mecanização da medicina moderna não é eficaz e eficiente para identificar o sofrimento experienciado pelo doente com dor.8

A subjetividade da dor, é algo inerente à sua avaliação, dado que esta é sempre aquela que o indivíduo diz ter.2

Podemos considerar que a dor não envolve apenas a dimensão física, mas uma experiência sensorial complexa que engloba todos os domínios da vida de um indivíduo, sendo vivenciada de uma forma exclusiva por cada pessoa.6

Para tal, e de modo a efetuar-se uma correta avaliação da dor e sua natureza, deve-se estabelecer uma relação de confiança entre o profissional de saúde e o doente de modo a podermos obter o máximo de eficácia no tratamento. Esta relação permitirá que se avalie a dor na pessoa, e não apenas o fenómeno dor, envolvendo um processo com vários fatores tais como comportamentais ou psicossociais.3

A avaliação da dor tem assim o objetivo de desenvolver uma estratégia eficaz para o tratamento da dor, a identificação das causas, a intensidade da dor e o impacto que tem na vida diária do indivíduo.8 Esta avaliação deve abranger um cariz quantitativo e qualitativo. A vertente qualitativa abrange a observação dos comportamentos do indivíduo, a aparência, descrição das dores e o impacto pessoal da dor. Por outro lado, a abordagem quantitativa engloba a descrição da intensidade da dor pelo doente e as medidas analgésicas adotadas ao longo do tempo.2

Deste modo, o enfermeiro como interveniente na prestação direta de cuidados ao doente com o objetivo de obter o máximo de conforto e bem-estar ao indivíduo tem como dever efetuar uma correta avaliação da dor de modo a promover a melhoria da qualidade das práticas de enfermagem.7

Uma das situações mais marcantes do cuidado da vida é quando esta é marcada por dor e sofrimento intoleráveis provocados por determinada doença de características mortais.2

A dor crônica pode estar associada a diversas alterações no padrão comportamental e rotinas do indivíduo como a incapacidade física e funcional, elevado grau de dependência, desencadear afastamento social e no trabalho, mudanças na sexualidade, alterações da dinâmica familiar, além de ansiedade e depressão. Todos estes fatores desencadeados pela dor interferem diretamente na funcionalidade do indivíduo, o que prejudica a manutenção da sua própria autonomia tornando inevitável implicações na qualidade de vida uma vez que, além da dor física, as pessoas são forçadas a conviver com as suas incapacidades e dependências.6

Estas alterações realçam a importância de uma avaliação e plano de intervenção adequado ao indivíduo de forma a adotar um tratamento adequado minorando o sofrimento do indivíduo.

Nas estratégias para lidar com a pessoa com dor crônica podem encontrar-se processos de “encontro” com o outro, com o sentido da vida e consigo mesmo.

Nesta linha de pensamento, para que o sofrimento humano e as percepções de dor ou de prazer sejam humanizados, é preciso que as palavras do sujeito sejam reconhecidas.9 É preciso, ainda, que esse sujeito ouça do outro palavras de reconhecimento. É pela linguagem que comunicamos com o outro, pois sem ela desumanizamo-nos reciprocamente.3

A linguagem permite estabelecer uma relação de maior empatia com o doente e este sentir-se-á mais reconhecido da sua importância em todo o processo. Sem comunicação, não há humanização, pois esta depende da capacidade de falar, de ouvir e do diálogo respeitoso com os nossos semelhantes.3

A arte de comunicar para além de exigir conhecimentos, carece de uma aprendizagem constante e requer prática. Este processo comunicacional ganha particular relevo na prática de cuidados em pessoas em fim de vida, dado que este indivíduo se encontra vulnerável devido à doença, tornando-se fundamental a transmissão da informação de clara e objetiva, atendendo às suas dúvidas e inquietações. Este processo é essencial à saúde da pessoa e permite ao enfermeiro integrar a profissão simultaneamente como ciência e arte.3

Este desafio de lidar com os doentes enquanto indivíduos, procurando a sua participação e defendendo a sua autonomia no projeto terapêutico, constitui a chave do sucesso a todos os níveis e adquire particular importância quando estamos a lidar com doentes com doença incurável.9

Talvez o “remédio” mais eficaz para lidar com o sofrimento seja a qualidade do relacionamento mantido entre o doente e seus cuidadores, e entre o doente e a sua família.9

Podemos assim referir que o alívio do sofrimento poderá ser mais eficaz através de uma intervenção mais atenta e com fundamento, ao invés do desprezo pela situação que se traduz num aumento crescente do sofrimento do doente e família.

Para o enfermeiro em cuidados paliativos torna-se imperativo que aceite o facto de não haver cura para determinado processo de doença. Porém, e não menos importante, na sua intervenção deve procurar estabelecer uma relação de ajuda com o doente face a um conjunto de sintomas, angústias, e todo um processo que vise promover a dignidade humana e a qualidade de vida do doente.10

Com este estudo pretende-se assim identificar os aspectos valorizados pelos enfermeiros de uma unidade de cuidados continuados (UCC) perante a dor crônica da pessoa em cuidados paliativos.

MATERIAIS E MÉTODO

Este estudo qualitativo, do tipo descritivo sob o paradigma construtivista, em que a coleta de dados visou a captação direta e integral das informações, no contexto natural dos indivíduos de modo a manter a sua originalidade e riqueza.5

A população alvo do estudo foram os enfermeiros de uma unidade de cuidados continuados, que intervinham diretamente na prestação de cuidados à pessoa em cuidados paliativos, num total de 16 enfermeiros, uma vez que se pretende identificar a intervenção do enfermeiro na gestão da dor crônica.

Os critérios de inclusão para que o campo de análise fosse claramente circunscrito: enfermeiros prestadores de cuidados que desempenhassem funções no serviço; participação voluntária no estudo.

Neste sentido, recorreu-se à amostra não probabilística, ou seja, de um modo não aleatório de forma a corresponder às caraterísticas definidas sendo o número de participantes definido pela saturação de dados. Definidos os critérios de inclusão, participaram sete enfermeiros no estudo de investigação.

O estudo teve como local uma UCC no Norte de Portugal, fora do âmbito hospitalar. A seleção de uma UCC prende-se com o fato de se apresentarem como estruturas recentes disponíveis para a comunidade no serviço geral de saúde onde se preconiza o bem-estar e o conforto, e paralelamente por serem o foco do estudo sobre as intervenções dos enfermeiros na dor crónica neste contexto de ação. Para além disso a escolha deveu-se ao facto de o investigador conhecer o espaço físico da mesma o que permitiu envolver-se no meio de ação dos sujeitos que investiga para ter uma visão do contexto.

Dada a natureza da problemática que se pretendeu estudar, os dados foram coletados mediante uma entrevista semiestruturada que ocorreu no mês de janeiro de 2014. Estas entrevistas tiveram uma duração média de 15 minutos, foram gravadas, posteriormente transcritas de forma manual e alvo de dupla verificação.

As questões norteadoras da entrevista realizada foram: O que entende por pessoa em cuidados paliativos? Qual o seu conceito de dor crônica? Quais os aspectos que valoriza perante a dor crônica da pessoa em cuidados paliativos? Como monitoriza a dor crônica da pessoa em cuidados paliativos? Quais as intervenções que realiza para o alívio da dor crônica da pessoa em cuidados paliativos? Quais as dificuldades/necessidades na gestão da dor crônica da pessoa em cuidados paliativos? Que sugestões/comentários gostaria de fazer acerca desta temática?

Após a transcrição das entrevistas realizadas e atribuição de um código a cada uma, foi realizada a sua análise com base na técnica de análise de conteúdo de acordo com a proposta de Bardin.11

A interpretação dos dados através da análise de conteúdo pretende ter em consideração o conteúdo das entrevistas, a sua forma e distribuição, procurando obter conhecimento do que está por de trás das palavras.11 Perante a análise das entrevistas foram assim constituídos um conjunto de categorias e subcategorias, inferidos a partir dos discursos verbais ou simbólicos dos participantes, de forma a produzir conclusões que confiram relevância teórica.

Ao longo deste estudo, todas as considerações ético-legais foram cumpridas. Destacamos a natureza voluntária da participação e a assinatura de um termo de consentimento livre e esclarecido por cada participante. Este estudo obteve o parecer favorável do Conselho de Administração da instituição. O anonimato dos enfermeiros, participantes do estudo, foi garantido por meio da atribuição de ‘E’ seguido de um algarismo arábico, por exemplo, E1 a E7.

RESULTADOS

Após as entrevistas efetuadas os aspectos valorizados pelos enfermeiros de uma UCC perante a dor crônica da pessoa em cuidados paliativos, foram inferidas as seguintes categorias: Comunicação Verbal; Comunicação Não-Verbal; Reações Físicas; Dimensão Psicológica; Dimensão Emocional; Resposta Alimentar e Sintomatologia (Figura 1).

Figura 1: Aspectos valorizados pelos enfermeiros de uma UCC perante a dor crônica da pessoa em cuidados paliativos.

Fonte: elaborado pelos autores, 2014.

No que se refere à categoria da Comunicação Verbal, esta é referida por um dos enfermeiros:

Comunicação verbal. (E2)

Na categoria Comunicação Não-Verbal, estão inseridas cinco subcategorias mencionadas pelos enfermeiros entrevistados: Expressão Facial; Expressão Comportamental; Expressão Gestual; Expressão Corporal; e não especifica.

A subcategoria Expressão Facial é mencionada por cinco dos enfermeiros entrevistados:

Face da dor da doente. (E1)

Expressão facial. (E3)

Expressão facial. (E4)

Alteração da expressão facial. (E5)

Expressão facial. (E7)

A Expressão Comportamental, por sua vez é referida por dois enfermeiros:

Reações do doente. (E3)

Comportamento [inclusive componente psicológica]. (E4)

Outra das subcategorias referidas no que concerne à categoria Comunicação Não-Verbal trata-se da Expressão Gestual, a qual é referida por um dos enfermeiros entrevistados:

Gritos e/ou gemidos. (E1)

Foi referido por três enfermeiros a subcategoria Expressão Corporal como aspeto valorizado perante a dor crônica:

Postura corporal (espasticidade). (E1)

Postura corporal. (E4)

Postura corporal. (E5)

Por último, a subcategoria não especifica, que foi referida por um dos enfermeiros no estudo:

Observo a comunicação não-verbal. (E2)

Relativamente à categoria Reações Físicas emergiram três subcategorias: Sudorese; Sinais Vitais; e Sinais de Desconforto.

Em relação à subcategoria Sudorese, esta foi mencionado por um dos enfermeiros:

Presença de sudorese. (E1)

Respeitante à subcategoria Sinais Vitais, esta foi relatada por um dos enfermeiros inquiridos:

Sinais vitais. (E3)

Por último, os Sinais de Desconforto, foi a subcategoria mais referida em relação às reações físicas (três enfermeiros):

Sinais de desconforto. (E5)

O incómodo do doente, o facto de ele não se sentir bem.  (E6)

Desconforto do doente. (E7)

Uma das categorias referidas por um inquirido foi a Dimensão Psicológica:

Estado anímico do doente (eventualmente tristeza, menos comunicativo). (E1)

Outra das categorias inserida nos aspectos valorizados pelos enfermeiros perante a dor Crônica foi a Dimensão Emocional, referido por um enfermeiro:

Menor tolerância às visitas. (E1)

A Resposta Alimentar, foi outras das categorias mencionadas nas entrevistas por um dos enfermeiros:

Diminuição do apetite. (E1)

Como última categoria, apresenta-se a Sintomatologia, que foi igualmente referida por um enfermeiro:

Aumento das queixas. (E1)

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O papel do enfermeiro no processo de cuidar é enfatizado como um elemento preponderante para avaliar a qualidade de vida do paciente, elaborando um plano de enfermagem que vise diminuir o sofrimento do paciente e proporcionar conforto e bem-estar.10

No que concerne aos aspectos valorizados pelos enfermeiros de uma UCC perante a dor crônica da pessoa em cuidados paliativos, a comunicação verbal é referida apenas por um enfermeiro como aspecto a valorizar.

A comunicação é uma ferramenta extremamente relevante no processo de cuidar, principalmente quando se trata de paciente terminal, no sentido de fortalecer o vínculo entre paciente/profissional, estimular o paciente a verbalizar anseios, preocupações e dúvidas acerca da situação clínica, dar oportunidade ao paciente/familiar de verbalizar preferências e ajudá-los na tomada de decisões.12

Os enfermeiros manifestam compreender o valor da comunicação, mas consideram extremamente difícil comunicar com pessoas que estão a morrer, pela complexidade da situação. Alguns enfermeiros utilizam nesses momentos a linguagem não-verbal como um apertar de mão ou escutar.13

Contudo, e mesmo o paciente não tendo capacidade para verbalizar a confiança deve estar presente proporcionando afeto, carinho e compromisso no processo de cuidar, utilizando a comunicação como base para a elaboração de um plano de cuidados adequado e que vise proporcionar bem-estar ao doente em fim de vida.14

A comunicação é assim primordial, dado que o autorrelato da dor deve ser uma estratégia de eleição na ação do profissional de saúde e nomeadamente do enfermeiro, sempre que possível, sendo que a heteroavaliação da dor deve ser efetuada quando o autorrelato não é possível.

Deste modo, valorizar todos os aspectos que envolve a presença da dor crônica na pessoa em cuidados paliativos constitui um direito e uma obrigação dos profissionais de saúde, nomeadamente dos enfermeiros que devem criar estratégias para diminuir o sofrimento provocado por este quadro.

É fundamental a comunicação para a relação terapêutica que se estabelece entre o enfermeiro, o doente e família objetivando uma relação de ajuda efetiva, onde doente e família possam revelar seus estados emocionais e sentimentais, reduzindo assim de forma significativa a dor total.

Porém, a comunicação em cuidados paliativos é difícil, talvez por isso só é salientada e valorizada por um dos enfermeiros do estudo. Este pilar dos cuidados paliativos exige conhecimentos e desenvolvimento de competências e habilidades que são necessárias desenvolver no âmbito da comunicação, em particular na comunicação em fim de vida, que permitam que esta se torne eficaz. No entanto, apresentam-se como muito difíceis de adquirir.

A comunicação, deve ser utilizada a par com a humanização dos cuidados proporcionando ao enfermeiro, ao paciente e respetiva família, de uma forma holística, uma partilha que vise um planeamento de cuidados adequado às efetivas necessidades desta díade.9

Salienta-se, no entanto, que nas UCC a maioria dos doentes não apresenta nível de compreensão da informação, nem um estado de saúde que lhe permita estabelecer uma comunicação oral.

A linguagem não verbal representa 65% da nossa comunicação daí que seja essencial ter presente a importância superior da comunicação não-verbal, quer no comportamento dos profissionais de saúde, quer na avaliação dos doentes e seus significados. 12 Neste ponto, é fundamental reconhecer que a pessoa que controle a componente não verbal passa a dominar melhor o processo de comunicação eficaz e consegue atingir os objetivos propostos.

Nesta linha os enfermeiros da UCC do estudo consideram a comunicação não verbal como uma estratégia terapêutica de intervenção no alívio da dor crônica e no controlo de sintomas associados à doença avançada e terminal. Verifica-se deste modo que os enfermeiros reconhecem que para se atingir uma comunicação eficaz deve-se ter em conta que cada doente é único, assim como é única e particular a situação que quer o doente, quer a família se encontram.

Trata-se, de um aspeto fundamental para atender à multidimensionalidade do doente com dor crônica, na medida em que pode ajudar o doente a conhecer e a compreender a sua doença, ajudando-o a aceitar a sua incurabilidade, sem nunca perder a esperança de ter um final de vida com o mínimo de sofrimento.

Assim, saber comunicar vai muito para além do meramente verbal, sendo que   a comunicação do corporal deve ser tido em conta pelos enfermeiros dado que permite dar ênfase ao processo de comunicação.12 As reações físicas apresentadas pela pessoa em cuidados paliativos são outros dos aspectos valorizados pelos enfermeiros que participaram no estudo. Parece poder-se dizer que os enfermeiros procuram de forma natural identificar aquilo que é importante para o doente através de uma atitude de procura e compreensão das vivências dele.

Assim, o estabelecimento de uma relação terapêutica permitirá fornecer estrаtégіаs fundamentais para o planeamento dos cuidados pаlіаtіvos e das efetivas necessidades perante as reações do indivíduo.15

Esta ideia é reconhecida quando numa situação de doença incurável e/ou grave e com prognóstico reconhecidamente limitado, a abordagem de um profissional de saúde fica incoerente se apenas se limitar ao alívio dos sintomas físicos.2

A dimensão psicológica, emocional, perda de apetite e a sintomatologia também foram aspectos valorizados pelos enfermeiros, o que dá um especial realce aos mais variados aspectos que um enfermeiro de uma UCC valoriza perante a dor crônica.

O fenómeno da dor e a sua multidimensionalidade, deve ser encarado sob a perspectiva de um modelo biopsicossocial, complexo e individual, não havendo correspondência direta entre a dor e a respetiva causa, pois mesma lesão pode inferir uma dor distinta em diferentes indivíduos, ou até no mesmo dependendo do contexto.16

 A valorização multidimensional da dor é mencionada pelos enfermeiros que identificam a dor através do toque pessoal, valorizando as queixas pessoais e emocionais da pessoa em cuidados paliativos e observando a reação deste, identificando-a como o quinto sinal vital.17

Podemos perante os resultados obtidas, acerca dos aspectos valorizados pelos enfermeiros inferir que se enquadram nos primeiros pressupostos do início do movimento moderno dos cuidados paliativos em que se refere à necessidade de cuidar da pessoa numa perspectiva global.2

Perante a multicausalidade da dor e a multidimensionalidade associada podemos igualmente inferir que o enfermeiro deve ser um profissional atento aos pormenores. A atenção ao detalhe faz a diferença na área da saúde, fundamentalmente quando se trata do cuidar da pessoa em cuidados paliativos dado que o maior conhecimento da pessoa, dos seus princípios e valores, poderá ser um importante alicerce para um processo de doença que implica mudanças nos estilos de vida.

 Sendo o enfermeiro o profissional que mais tempo passa com a pessoa acometida a um processo de doença torna-se assim um imperativo a atenção ao pormenor com o intuito de evitar juízos incorretos, e ao mesmo tempo poder corresponder ao doente e às suas necessidades que não se limitam à componente física.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O paradigma construtivista foi a opção tomada para este estudo, pois possibilita compreender com maior profundidade as intervenções dos enfermeiros em contexto de uma UCC e a sua percepção do cuidar perante a dor crônica da pessoa em cuidados paliativos. Cuidar da pessoa em cuidados paliativos com dor crônica é um processo de grande exigência e complexidade para o enfermeiro devido à multiplicidade de necessidades que surgem no processo de doença.

Na fase de doença paliativa urge a necessidade de executar intervenções que promovam o alívio da dor, com o intuito de proporcionar o máximo de conforto e bem-estar ao doente. O enfermeiro é aquele que estabelece uma maior relação de proximidade acabando por vivenciar todo o processo de doença com uma intensidade emocional, o que o leva na grande maioria das vezes a adotar mecanismos de coping.

A intervenção do enfermeiro na UCC deve ser de acordo com o paradigma do cuidar de modo a responder às efetivas necessidades do doente e da família. O cuidar da dor crônica da pessoa em cuidados paliativos exige dos enfermeiros uma visão humanista sustentada em conhecimento científico. A promoção de cuidados de conforto, o respeito pela vida, o aceitar a morte com algo inevitável e natural devem ser defendidos na prática de cuidados dos enfermeiros da UCC.

Os aspectos valorizados pelos enfermeiros da UCC perante a dor crônica são de várias dimensões: comunicacional, emocional, psicológica e biológica. Desta abordagem centrada na pessoa, entendo o fenómeno da dor na sua dimensão científica, antropológica e subjetiva. Deve assim ser desenvolvido por parte dos enfermeiros uma atitude de avaliação e de escuta ativa de forma a determinar e caracterizar a dor no sistema pessoal e familiar.

Os enfermeiros devem assim desenvolver uma atitude de avaliação e de escuta ativa de forma a determinar e caracterizar a dor no sistema pessoal e familiar. Para tal, é imperativo a implementação de uma abordagem que privilegie a pessoa e que a dor seja entendida numa dimensão científica, antropológica e subjetiva.

Os enfermeiros devem assim desenvolver uma atitude de avaliação e de escuta ativa de forma a determinar e caracterizar a dor no sistema pessoal e familiar. No que diz respeito às limitações do estudo estas prenderam-se com a dificuldade em obter autorização por parte da comissão de ética da instituição para a realização do estudo e com a articulação do investigador com a equipa de enfermagem para a realização das entrevistas.

REFERÊNCIAS

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Recebido em: 20/08/2021

Aceito em: 24/03/2022

Publicado em: 06/04/2022



[1] Universidade Fernando Pessoa (UFP). Gondomar, Porto. Portugal (PT). E-mail: traila.sa.jose@gmail.com ORCID: 0000-0001-8636-3846

[2] Universidade Fernando Pessoa (UFP). Gondomar, Porto. Portugal (PT). E-mail: jteixeira@ufp.edu.pt ORCID:0000-0001-7430-1488

 

Como citar: Sá J, Teixeira J. Aspectos valorizados pelos enfermeiros perante a dor crônica de uma pessoa em cuidados paliativos. J. nurs. health. 2022;12(1):e2212121620. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/enfermagem/article/view/21620





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