ARTIGO original

Emergências obstétricas: estudo de caso múltiplo em terapia intensiva

Obstetric emergencies: multiple case study in intensive care

Emergencias obstétricas: estudio de casos múltiples en cuidados intensivos

Hummel, Julia Richter;[1] Busanello, Josefine;[2] Hatmann, Ana Elisa;[3] Evaldt, Rita de Cássia Fossati Silveira;[4] Cabral, Thaynan Silveira [5]

RESUMO

Objetivo: analisar quatro casos de emergências obstétricas assistidas em uma unidade de terapia intensiva adulto de um hospital do interior do Brasil. Método: estudo qualitativo, do tipo estudo de casos múltiplos, envolvendo quatro mulheres com emergência obstétrica de um hospital da Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul, no período entre 2016 e 2018. O instrumento de coleta resgatou as características sociais e clínicas, segundo seus prontuários. A análise temática de dados foi baseada nas perguntas e confronto com a literatura. Resultados: as mulheres apresentaram os diagnósticos de acidente vascular cerebral hemorrágico, eclâmpsia, tromboembolia pulmonar e sepse. Faixa etária entre 28 e 44 anos, sendo três gestantes e uma puérpera. Tempo de espera para internação de um dia para todas, e tempo médio de permanência foi de seis dias. Conclusões: o estudo permite auxílio na construção de protocolos e na articulação das redes de atenção à gestação de alto risco.

Descritores: Perfil de saúde; Cuidados críticos; Obstetrícia; Unidade hospitalar de ginecologia e obstetrícia; Enfermagem obstétrica

ABSTRACT

Objective: the objective was to analyze four cases of obstetric emergencies assisted in an adult intensive care unit of a hospital in the interior of Brazil. Method: qualitative study, of the multiple case study type, involving four women with obstetric emergency of a hospital in Rio Grande do Sul, in the period between 2016 and 2018. The collection instrument rescued the social and clinical characteristics, according to their medical records. Thematic analysis of data was based on questions and comparison with the literature. Results: the women presented the diagnoses of hemorrhagic stroke, eclampsia, pulmonary thromboembolism and sepsis. Age group between 28 and 44 years old, being three pregnant women and one puerperal woman. Waiting time for admission of one day for all, and average length of stay of six days. Conclusions: the study allows assistance in the construction of protocols and in the articulation of care networks for high-risk pregnancy.

Descriptors: Health profile; Critical care; Obstetrics; Obstetrics and gynecology department, hospital; Obstetric nursing

RESUMEN

Objetivo: analizar cuatro casos de urgencias obstétricas atendidas en una unidad de cuidados intensivos de adultos de un hospital del interior de Brasil. Método: estudio cualitativo, del tipo estudio de caso múltiple, involucrando cuatro mujeres con emergencia obstétrica de un Hospital en Rio Grande do Sul, en el período comprendido entre 2016 y 2018. El instrumento de recolección rescatado las características sociales y clínicas, según sus historias clínicas. El análisis temático de los datos se basó en preguntas y comparación con la literatura. Resultados: las mujeres presentaron los diagnósticos de ictus hemorrágico, eclampsia, tromboembolismo pulmonar y sepsis. Grupo de edad entre 28 y 44 años, siendo tres gestantes y una puérpera. Tiempo de espera para ingreso de un día para todos, y estancia media de seis días. Conclusiones: el estudio permite auxiliar en la construcción de protocolos y en la articulación de redes de atención al embarazo de alto riesgo.

Descriptores: Perfil de salud; Cuidados críticos; Obstetricia; Servicio de ginecología y obstetricia en hospital; Enfermería obstétrica

INTRODUÇÃO

Emergências obstétricas são situações que decorrem durante a gestação, parto e puerpério, e podem gerar complicações maternas e fetais.1-2 As principais emergências obstétricas envolvem quadros hipertensivos, hemorrágicos, infecciosos, cardiopatias e eventos trombóticos.3-8 Os distúrbios hipertensivos incluem pré-eclâmpsia grave, eclampsia e hipertensão arterial crônica, agravada pela gestação.8 A diabetes mellitus crônica e a gestacional não são consideradas emergências obstétricas, mas contribuem para o desenvolvimento de quadros hipertensivos e infecciosos graves.1-2

No Brasil, no ano de 2018, as emergências obstétricas implicaram em 59,9 mortes maternas para cada 100.000 nascidos vivos.1 Além do alto índice de mortalidade materna, as emergências obstétricas estão associadas a “near miss” materno, que se refere à quase morte materna no período que decorre da gestação até 42 dias após o parto. Essas situações clínicas graves exigem tratamento e suporte avançado em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), visando preservar a vitalidade materna e fetal.4

Considerando a assistência intensiva e avançada nas emergências obstétricas, um estudo analisou a internação de 9.555 mulheres em 27 centros de referência no Brasil. Foi evidenciado que 85,1% das mulheres foram atendidas em instituições hospitalares com disponibilidades de leitos em UTI; porém, apenas 25,3% delas foram realmente internadas em UTI. Quando analisada a proporção de morte materna, 17,1% das mulheres morreram sem internação em UTI, e 5,6% morreram durante o tratamento na UTI. O estudo concluiu que a não realização da estratificação de gravidade, para a utilização de leitos de UTI e tratamento das emergências obstétricas, pode trazer prejuízos para as mulheres e para a gestão do sistema de saúde.9

Recentemente, essa problemática ficou mais evidente frente à pandemia do Síndrome Respiratória Aguda Grave do Coronavírus 2 (SARS-COV-2). Um estudo brasileiro analisou 978 mulheres gestantes e puérperas com diagnóstico de COVID-19, e evidenciou taxa de letalidade de 12,7% (n=124).  Entre os óbitos, a taxa de uso de ventilação mecânica foi de 64% (n=66); e 14,6% (n=15) não foram manejados com suporte ventilatório em UTI. O estudo também destaca que 22,6% das mulheres que foram a óbito, mesmo necessitando de cuidados intensivos, não chegaram a ser admitidas em UTI. Esse dado demonstra que pode haver falha no fluxo de pacientes com emergências obstétricas para acessar a unidade intensiva e os suportes de vida que ela oferece.10

O presente estudo permite a compreensão da assistência direcionada às emergências obstétricas, e poderá contribuir para a gestão dos serviços de saúde, especialmente a organização dos fluxos dessas situações nos hospitais, e a definição dos critérios para a admissão das mulheres na UTI. Ademais, o estudo é relevante, pois poderá subsidiar a organização do cuidado e a implementação de atividades de capacitação para os profissionais visando a assistência integral à saúde à mulher no ciclo gravídico-puerperal e no cuidado intensivo frente às emergências obstétricas.

Considerando o exposto, questiona-se: Quais as características sociais das mulheres com emergências obstétricas atendidas em UTI? Quais as principais intervenções implementadas durante o cuidado intensivo e o desfecho clínico? Assim, objetivou-se analisar quatro casos de emergências obstétricas assistidas em uma unidade de terapia intensiva adulto de um hospital do interior do Brasil.

MATERIAIS E MÉTODO

O presente estudo qualitativo foi desenvolvido a partir da técnica de estudo de casos múltiplos, que visa investigação profunda e aplicada em diversas situações, proporcionando comparação, reflexões e discussões sobre o tema.11 Está vinculado à pesquisa matricial intitulada “Perfil clínico e social dos pacientes internados na Unidade de Terapia Intensiva Adulto de um Hospital da Fronteira Oeste do RS”. Para o desenvolvimento do estudo de casos múltiplos seguiu-se a Etapa 1, Etapa 2 e Etapa 3, detalhadas a seguir.

Etapa 1: Projeção do estudo11

Para a projeção do estudo foram definidos os critérios de definição do caso. Foram considerados como critérios de inclusão de caso: ser gestante ou puérpera, com diagnóstico de emergência obstétrica, internada em UTI. Considerou-se como cenário do estudo uma UTI Adulto de um Hospital da Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul. Essa unidade disponibiliza 10 leitos de internação geral, e está alocada em uma instituição de médio porte que é referência loco regional. Esse hospital também possui maternidade com 37 leitos, e disponibiliza UTI Neonatal com oito leitos. O período estudado foi 2016 a 2018, no qual ocorreram 419 internações na referida UTI. Dessas, quatro internações foram de pacientes com emergência obstétrica, representando 0,95% das internações.

As questões norteadoras para a projeção do estudo de caso múltiplo foram: Quais os dados sociodemográficos das mulheres com emergências obstétricas atendidas em UTI? Qual o histórico do pré-natal e antecedentes gestacionais? Que sinais e sintomas foram identificados na avaliação inicial e que indicaram a necessidade de internação na UTI? Qual o tempo de espera das pacientes para internação em UTI após a indicação? Qual o diagnóstico clínico no momento da internação na UTI? Que tipo avaliação obstétrica/ginecológica foi realizada durante a internação na UTI? Quais os cuidados intensivos implementados? Quais os desfechos clínicos?

Etapa 2 – Coleta das informações e formatação dos casos clínicos11

A organização da coleta das informações ocorreu a partir da elaboração de um instrumento semiestruturado para o resgate de informações pertinentes acerca dos dados sociodemográficos (idade; escolaridade; cor; profissão; estado civil); e as características clínicas, com ênfase nas informações sobre gestação e antecedentes obstétricos e ginecológicos (exame físico, avaliação obstétrica e exames complementares realizados na maternidade/pronto socorro e em UTI adulta; critérios/emergências de elegibilidade de emergência obstétrica). Como características do tratamento intensivo foram consideradas informações sobre os medicamentos utilizados; procedimentos, intervenções, tempo de internação na UTI e desfechos clínicos. Previamente a realização da coleta dos casos, realizou-se um estudo piloto com o objetivo de averiguar a pertinência do instrumento.

As informações foram coletadas nos prontuários, que se constituem como fonte de dados documental. A coleta foi realizada no Serviço de Arquivo Médico e Estatística (SAME), do referido hospital no mês de dezembro do ano de 2019.

Os dados obtidos foram organizados em um arquivo de Microsoft Office Word®, versão 16.0 do ano de 2019, configurando quatro casos clínicos estruturados com os seguintes tópicos: Características sociais, gestação e antecedentes, exame físico na maternidade ou pronto socorro, avaliação obstétrica/ginecológica na maternidade ou pronto socorro, exames complementares realizados na maternidade ou pronto socorro, critérios/emergência de elegibilidade de emergência obstétrica, exame físico em UTI, avaliação obstétrica/ginecológica em UTI, exames complementares realizados em UTI, medicações utilizadas durante o tratamento, procedimentos realizados em UTI, intervenções médicas, tempo de internação, desfecho da mãe e desfecho do recém-nascido.

Etapa 3: Análise dos casos clínicos11

A estratégia utilizada para análise dos Casos de Emergência Obstétrica (CEO) foi a análise temática. Assim, em um primeiro momento, os casos foram analisados individualmente,11 com enfoque para o tipo de emergência obstétrica, idade, história pré-natal, comorbidades, procedimentos obstétricos, cuidados intensivos e desfecho. Posteriormente, ocorreu o cruzamento das informações dos CEO,11 sendo os mesmos analisados na sua totalidade, buscando identificar semelhanças e diferenças entre os casos e a assistência implementada às mulheres. Considerando as questões norteadoras para a projeção do estudo de caso múltiplo e o cruzamento dos CEO foram definidas as categorias temáticas.

A pesquisa foi conduzida de acordo com os padrões éticos exigidos. Foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal do Pampa, sob parecer número 3.404.096, em 20 de junho de 2019, Certificado de Apresentação de Apreciação Ética 12237519.4.0000.5323.

RESULTADOS

O presente estudo analisou quatro casos de pacientes com emergências obstétricas, assistidas em UTI, e que envolveram os seguintes diagnósticos clínicos: acidente vascular cerebral hemorrágico; eclâmpsia; tromboembolia pulmonar; e sepse. O Quadro 1 apresenta a síntese dos casos estudados, e os resultados são apresentados nas duas categorias temáticas: Características sociodemográficas, clínicas e pré-natais; e A evolução clínica das emergências obstétricas na UTI.

Quadro 1: Síntese dos casos de emergência obstétrica assistidas em UTI adulta, no período de 2016 a 2018

CEO1. 44 anos; ensino médio completo; cor/raça parda; desempregada/do lar; evangélica; casada; 25ª semana de gestação; duas consultas pré-natal; multigesta (4ª gestação). Antecedente obstétrico de um aborto e duas cesarianas. Diagnóstico de acidente vascular cerebral hemorrágico. Um dia de espera entre indicação e internação na UTI. Na UTI foi realizada avaliação de batimento fetal, ultrassonografia (anteriormente à cesariana) e avaliação da ferida operatória (após cesariana). Óbito materno, alta do recém-nascido.

CEO2. 29 anos; ensino médio completo; cor/raça branca; desempregada/do lar; católica; união estável; 30ª semana de gestação; realizou cinco consultas de pré-natal; multigesta (2ª gestação), com parto normal anteriormente. Diagnóstico de eclâmpsia. Um dia de espera entre indicação e internação na UTI. Na UTI foi realizada avaliação de batimentos fetais (anteriormente à cesárea) e avaliação da ferida operatória, presença de lóquios (após cesárea). Alta materna, óbito fetal.

CEO3. 28 anos; ensino médio completo; cor/raça negra; desempregada/do lar; evangélica; solteira. 34ª semanas de gestação; sem registro do número de consultas de pré-natal; multigesta (2ª gestação), com parto normal prévio. Diagnóstico de tromboembolia pulmonar. Um dia de espera entre indicação e internação na UTI. Na UTI realizou avaliação dos batimentos fetais. Alta materna e do recém-nascido.

CEO4. 32 anos; ensino médio completo; cor/raça parda; trabalhadora doméstica; católica; casada. Puérpera, nove dias pós-parto. Diagnóstico de sepse. Um dia de espera entre indicação e internação na UTI. Na UTI realizada avaliação de atonia uterina, presença de lóquios e de sangramento excessivo. Óbito.

Fonte: Elaborado pelas autoras, 2020.

Características sociodemográficas, clínicas e pré-natais

A faixa etária das mulheres que apresentaram emergência obstétrica variou de 28 a 44 anos, sendo três gestantes e uma puérpera. Em relação às características sociais, observa-se que as pacientes apresentaram ensino médio completo, porém sem renda fixa e nem trabalho formal.

As gestantes foram hospitalizadas no segundo e terceiro trimestre da gestação, e apresentaram histórico pré-natal incompleto, sendo realizadas de duas a cinco consultas. Três, das quatro pacientes, já haviam realizado parto normal anteriormente. Além disso, três mulheres eram multíparas, e uma não apresentava essa informação em seu prontuário.

O tempo de espera entre a indicação e a internação na UTI foi de um dia, sendo o mesmo para todas. Considerando os sinais e sintomas, identificados na avaliação inicial, e que indicaram a necessidade de internação na UTI, observam-se particularidades entre os casos, considerando o tipo de emergência obstétrica apresentada e diagnóstico clínico.

CEO1 e CEO2 envolveram Síndromes Hipertensivas, nas quais os principais sinais e sintomas foram alteração neurológica, hipertensão arterial sistêmica e taquicardia. CEO1, em sua avaliação inicial, apresentou escala de coma de Glasgow três, pupilas isocóricas, com suspeita de morte encefálica. Foi entubada já na chegada ao pronto socorro, apresentando hipertensão arterial sistêmica (180/100 milímetros de mercúrio), taquicardia e edema generalizado. Hemoglicoteste indicando 92 miligramas por decilitro; e batimentos fetais positivos (150 batimentos por minuto). Paciente realizava tratamento para hipertensão arterial sistêmica com Metildopa.

Na internação de CEO2 o acompanhante relatou que a paciente apresentou convulsão. Apresentou escala de coma de Glasgow 14, com confusão e sonolência; hipertensão arterial sistêmica (220/110 milímetros de mercúrio); taquicardia (120 batimentos por minuto); taquipneia (22 movimentos respiratórios por minuto); saturação 99%; hemoglicoteste 88 miligramas por decilitro; edema em membros. Apresentou perda de líquido amniótico de cor clara e batimentos fetais positivos. Paciente obesa, sem diagnóstico de hipertensão gestacional e tratamento.

CEO3, em sua avaliação inicial no pronto socorro, apresentou saturação 82% e dispneia intensa. De imediato foi instalado oxigenoterapia a seis litros de oxigênio por minuto com máscara facial com reservatório. Hipertensa (130/100 milímetros de mercúrio) e taquicárdica (113 batimentos por minuto). Secreção vaginal de coloração esverdeada e odor fétido. Batimentos cardíacos fetais positivos (146 batimentos por minuto). Histórico de trombose venosa profunda e embolia pulmonar, realizava tratamento com anticoagulantes.

CEO4, no seu nono dia de puerpério, foi atendida no pronto-socorro com queixa de dor abdominal. Apresentou saturação 95%, taquipnéia (21 movimentos respiratórios por minuto), hipotensão arterial (70/50 milímetros de mercúrio), taquicardia (135 batimentos por minuto). Apresentou sangramento vaginal com odor fétido. Histórico com confirmação de vírus da imunodeficiência humana (HIV) positivo.

A evolução clínica das emergências obstétricas na UTI

Em relação à primeira avaliação na UTI, observou-se em CEO1 que a paciente apresentou escala de coma de Glasgow três, mantendo suporte ventilatório com tubo orotraqueal. Manteve-se hipertensa (170/84 milímetros de mercúrio) e taquicárdica (106 batimentos por minuto). Batimentos cardíacos fetais positivos (166 batimentos por minuto). Não houve melhora do quadro clínico, realizado tomografia do crânio e confirmado acidente vascular hemorrágico. Paciente foi encaminhada para bloco cirúrgico para realização de cesárea. Recém-nascido com 25 semanas apresentou Apgar oito, sem intercorrências, e encaminhado para UTI neonatal. Após cesárea, paciente retornou para a UTI, e foi iniciado protocolo de morte encefálica, que foi confirmada. Familiares optaram pela não doação de órgãos. Paciente teve três dias de internação na UTI. Recém-nascido recebeu alta do hospital. Em toda sua internação, a paciente utilizou os seguintes medicamentos: Captopril, Clonidina, Hidralazina, Betametasona, Metilprednisolona, Fenitoína, Metoclopramida, Midazolan, Insulina, Levotiroxina e Dipirona.

Considerando as informações sobre a internação na UTI observadas no CEO2, paciente apresentava-se agitada, com respiração espontânea e oxigenoterapia a dois litros por minuto. Normotensa, normocárdica, porém mantendo edema generalizado. Instituído cateter para esvaziamento gástrico, apresentando drenagem de secreção escura. Batimentos fetais presentes na internação, porém confirmada a morte fetal por ultrassonografia na UTI. Indicada cesárea para preservação da vitalidade materna. Após o parto, paciente retornou para a UTI e teve evolução do quadro clínico, sendo transferida para a maternidade. Posteriormente obteve alta hospitalar. Paciente teve dois dias de internação na UTI. As medicações utilizadas em todo seu tratamento foram: Ampicilina, Losartana, Metildopa, Hidralazina, Valium, Sulfato de magnésio, Heparina, Metoclopramida e Buscopan.

Na análise de CEO3 a paciente na UTI apresentava-se lúcida e colaborativa, referindo náusea. Saturação 90% e esforço respiratório, mesmo com oxigenoterapia a cinco litros de oxigênio por minuto. Normotensa e normocárdica. Útero indolor, com batimentos cardíacos fetais de 168 batimentos por minuto. Durante sua internação na UTI utilizou terapia anticoagulante com heparina não fracionada. Paciente teve quatro dias de internação na UTI. Foi transferida para a maternidade, realizou cesariana sem intercorrências, e recebeu alta da unidade, juntamente com seu recém-nascido. Durante todo seu tratamento foram utilizadas as seguintes medicações: Kefazol, Metildopa, Heparina, Metoclopramida e Dipirona.

Conforme informações de CEO4, na UTI a paciente estava lúcida e comunicativa, com queixa de irritabilidade peritoneal e dor abdominal. Mantinha oxigenoterapia com três litros de oxigênio por minuto. Manteve-se hipotensa (90/40 milímetros de mercúrio) e taquicardia. Teve perda de grande quantidade de secreção sanguinolenta via vaginal. Durante sua internação na UTI realizou curetagem para retirada de restos placentários. Posteriormente, foi entubada e recebeu suporte ventilatório. Na hemocultura apresentou resistência a todos os antibióticos. Paciente manteve instabilidade hemodinâmica, com hipotensão persistente, mesmo em uso de noradrenalina. Apresentou parada cardiopulmonar após 15 dias de internação na UTI e evoluiu para óbito. As medicações utilizadas no tratamento foram: Cefazolina, Clindamicina, Gentamicina, Ampicilina, Ceftriaxona, Furosemida, Metoclopramida, Dipirona, Petidina, Heparina, Metronidazol, Midazolan, Fentanil, Omeprazol, Noripurum, Complexo B, Ácido ascórbico, Noradrenalina, Gluconato, Cálcio, Enterogermina, Metoclopramida.

A partir da análise das informações dos quatro CEO observa-se que a média de dias de internação foi de seis dias, nos quais as mulheres foram submetidas a monitorização e vigilância permanente, além de avaliação ginecológica e obstétrica. Em relação ao suporte ventilatório avançado, identificou-se que CEO 1 e CEO4 necessitaram de via aérea artificial, ventilação mecânica e sedação. Todas as pacientes utilizaram de terapia vasoativas para controle da instabilidade hemodinâmica.

DISCUSSÃO

As características sociodemográficas, clínicas e pré-natais identificadas nos casos analisados coadunam com outros estudos publicados.3,6,12 A maioria das mulheres estão na faixa etária entre 28 a 44 anos, são pardas, têm união estável, e com início do pré-natal no 1º trimestre gestacional, com 4 a 6 consultas.6 Quanto à escolaridade, o presente estudo de casos múltiplos também evidenciou a tendência das mulheres com ensino médio completo.6,12

No que se diz respeito às consultas de pré-natal, nos estudos de casos analisados, apenas duas mulheres realizaram o número de consultas indicadas, e as demais tiveram menos de seis consultas. A maioria das mulheres, que desenvolvem emergência obstétrica, tem início do pré-natal no primeiro trimestre gestacional, realizando de quatro a seis consultas.6 O Ministério da Saúde recomenda o mínimo de seis consultas para um pré-natal de qualidade. A evidência da fragilidade do pré-natal, identificada na análise dos casos e em outros estudos,3,6,12 justifica a detecção tardia de situações e fatores que condição o agravo materno e fetal.1

Dentre as principais emergências obstétricas, que exigem internação das mulheres em UTI, estão as crises hipertensivas. Em uma UTI foram investigadas 139 mulheres admitidas em estado grave, das quais 43,9% apresentaram síndrome hipertensiva específica da gravidez.6 Outro estudo analisou 430 gestantes com idade acima de 35 anos, e evidenciou que 54 mulheres apresentaram essa complicação.7 Em atendimentos pelo Sistema Único de Saúde no estado de São Paulo, foram investigadas 2.360 complicações gestacionais, nas quais a incidência das doenças hipertensivas foi de 22%.3

Quanto ao tempo de espera para a internação em UTI, um estudo sobre morbidade materna grave em unidades públicas de terapia intensiva, não relaciona a demora da internação como o principal responsável pelo agravamento do quadro clínico, sugerindo haver atraso na intervenção inicial.13 Nesse sentido, destaca-se a importância da avaliação inicial, com a identificação dos fatores de risco e complicações, para garantir a assistência mais adequada.1

A mulher gestante, que acessa serviço de saúde com rebaixamento do sensório e não responsiva, deve receber classificação de emergência com necessidade de cuidado imediato. Mulheres com histórico de convulsão, juntamente com alteração do estado mental e pressão arterial sistólica maior ou igual de 160 mmHg e/ou pressão arterial diastólica igual ou maior que 110 mmHg milímetros de mercúrio, devem receber atendimento em até 15 minutos em um centro obstétrico, sempre com prioridade no atendimento, pois demanda um cuidado de emergência.14

A diabetes mellitus também é uma condição que pode acarretar complicações durante a gestação. Em gestantes acima de 35 anos de idade, a diabetes gestacional prevalece em aproximadamente 17% (n=73) das mulheres.5 Uma pesquisa que investigou 2.360 mulheres com complicações gestacionais, atendidas pelo Sistema Único de saúde, destacou que 13,8% das mulheres apresentavam essa condição.3

Pré-eclâmpsia e eclâmpsia também aparecem como uma das principais emergências obstétricas.1-13 Um estudo evidenciou que 22% das gestantes, com idade acima de 35 anos, desenvolveram pré-eclâmpsia.5 Outra pesquisa, com a análise de 106 prontuários de mulheres admitidas em UTI obstétrica, identificou a predominância de eclâmpsia, síndrome de hellp, e pré-eclâmpsia grave. No momento de admissão na UTI, a maioria das mulheres encontravam-se em puerpério imediato.6

Para a avaliação e assistência inicial das gestantes que apresentam sinais sugestivos de eclâmpsia é necessário considerar: avaliação da permeabilidade aérea, suporte de oxigênio, providenciar dois acessos venosos calibrosos, administrar de sulfato de magnésio para a prevenção de danos clínicos obstétricos secundários à convulsão, exame físico geral e obstétrico, avaliação do feto e, se indicação, interrupção da interrupção da gravidez.14-16

Os medicamentos para o controle da hipertensão são: Nifedipina, Hidralazina ou Nitroprussiato de sódio. Além disso, o sulfato de magnésio é imprescindível para o tratamento da eclâmpsia, sendo necessária a monitorização contínua da paciente. Em CEO2 gestante apresentou o quadro de eclâmpsia (CEO2) realizou o uso de Hidralazina para controle da hipertensão, sulfato de magnésio para as convulsões e realizou cesárea para interrupção da gravidez, conforme prevê a literatura.14-16

A gravidez desencadeia eventos fisiológicos comparados a uma trombofilia, pois aumenta cinco vezes as chances de tromboembolismo venoso, quando comparado a uma mulher não gestante. O tromboembolismo venoso pode facilmente evoluir para uma embolia pulmonar, que na gravidez, é de difícil diagnóstico, sendo que as manifestações clínicas predominantes são a dispneia e saturação ≤86% em ar ambiente, necessitando cuidado imediato.14,16

É importante ressaltar que a utilização de heparina de baixo peso molecular, no pré-natal e pós-parto, é a melhor forma de prevenção do tromboembolismo. Mulheres que desenvolvem eventos trombóticos, com sinais clínicos de embolia pulmonar, necessitam de internação hospitalar imediata e o uso de anticoagulantes.16 Nesta perspectiva, a conduta realizada com a paciente do CEO3 foi adequada e seguiu as recomendações previstas na literatura.14,16 Por consequência, o desfecho foi positivo, com alta materna e do recém-nascido.

Infecção e sepse também são importantes condições que se manifestam como principais complicações obstétricas.14,16,17 Como medidas de diagnóstico precoce da infecção puerperal, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária alerta para: febre, dor, rubor, lóquios amarelados/acastanhados ou de mau cheiro. No caso de suspeita, deve-se solicitar com urgência uma avaliação obstétrica e ginecológica para diagnóstico precoce e tratamento imediatamente.16-17 A conduta mais adequada em suspeita de sepse puerperal é realização de hemograma e coleta de cultura, curetagem, para a retirada de restos placentários, e antibioticoterapia.17 O HIV desencadeia o comprometimento do sistema imunológico, ocasionando uma maior vulnerabilidade de adquirir infecções oportunistas e maior dificuldade de tratá-las.18 Por esse motivo se explica o desfecho do CEO4, a paciente apresentou resistência a todos os antibióticos, acarretando ao óbito após 16 dias de internação.

Quanto aos desfechos clínicos dos casos de emergência obstétricas avaliadas, um estudo realizado em uma UTI de Fortaleza, evidenciou que 77% das mulheres obtiveram transferência de setor, 13% alta hospitalar/médica e apenas 4% óbitos.6 Já com os desfechos perinatais, no estudo com as mulheres atendidas pelo Sistema Único de Saúde que sofreram complicações na gravidez em São Paulo, a razão de mortalidade fetal foi de 19,7 por mil nascidos vivos.3

Deve-se priorizar atendimento para as mulheres com sinais e sintomas que apresentam gravidade. Para isso, é essencial a utilização de um fluxograma para atendimento e classificação, contendo como pontos chave de decisão: alteração do nível de consciência/estado mental, avaliação da respiração e ventilação, avaliação da circulação, avaliação da dor (escalas), sinais e sintomas gerais e fatores de riscos que possam ser agravantes no caso clínico.14

Como limitações do estudo destaca-se o baixo número de internações obstétricas na UTI no período estudado, não permitindo comparações de casos com a mesma emergência. Além disso, alguns prontuários não apresentavam dados completos, como o número de consultas de pré-natal realizado, dado de extrema importância para investigação dos casos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As emergências obstétricas apresentadas exigiram internação na UTI para controle e tratamento das complicações. Contudo, não é possível relatar que representam o quantitativo real de casos de emergências obstétricas que são assistidas em UTI em outros cenários, considerando a disponibilidade de leitos e organização da rede de atenção à saúde da mulher.

Os desfechos de sobrevida para as mulheres e para os recém-nascidos, seguiram condutas realizadas para reversão dos quadros clínicos foram adequadas, segundo a literatura. O presente estudo permite subsidiar o serviço na construção de protocolos, auxiliar na articulação das redes de atenção à saúde para mulheres com gestação de alto risco, além de ser utilizado como ferramenta de ensino para a abordagem das emergências obstétricas.

REFERÊNCIAS

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14 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Departamento de Atenção Hospitalar e Urgência. Manual de acolhimento e classificação de risco em obstetrícia. 2017. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_acolhimento_classificacao_risco_obstetricia_2017.pdf

15 Silva SC Nóbrega et al. Management of severe preeclampsia in the puerperium: development and scenario validation for clinical simulation. Rev. bras. enferm. 2021;74(6):e20200445. DOI: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0445

16 Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Medidas de prevenção e critérios diagnósticos de infecções puerperais em parto vaginal e cirurgia cesariana. Brasília: ANVISA. 2017. Disponível em:  http://antigo.anvisa.gov.br/documents/33852/3507912/Caderno+8+-+Medidas+de+Preven%C3%A7%C3%A3o+e+Crit%C3%A9rios+Diagn%C3%B3sticos+de+Infec%C3%A7%C3%B5es+Puerperais+em+Parto+Vaginal+e+Cirurgia+Cesariana/08dee73e-ffef-433f-8fb8-c5f7fc8053a0

17 Silva APN, Diniz PR, Costa PFF, Galvão PVM, Luna VLM, Conrado GAM. Sepse puerperal: uma revisão integrativa. Pesquisa, Sociedade e Desenvolvimento. 2021;10(8):e31710817374. DOI: https://doi.org/10.33448/rsd-v10i8.17374

18 Silva EMS, Cardoso SS, Leite IS. IST: suas principais complicações durante a gravidez. Research, Society and Development. 2021;10(16):e433101624293. DOI: http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v10i16.24293

Recebido em: 07/12/2021

Aceito em: 13/09/2022

Publicado em: 24/10/2022



[1] Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). Uruguaiana, Rio Grande do Sul (RS). Brasil (BR). E-mail: juliarichterhummel@gmail.com ORCID: 0000-0003-4817-4870

[2] Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). Uruguaiana, Rio Grande do Sul (RS). Brasil (BR). E-mail: josefinebusanello@unipampa.edu.br ORCID:0000-0002-9950-9514

[3] Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). Uruguaiana, Rio Grande do Sul (RS). Brasil (BR). E-mail: anaelisahartmann@hotmail.com ORCID: 0000-0002-9780-8019

[4] Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). Uruguaiana, Rio Grande do Sul (RS). Brasil (BR). E-mail: ritaevaldt@gmail.com ORCID: 0000-0001-7038-5039

[5] Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). Uruguaiana, Rio Grande do Sul (RS). Brasil (BR). E-mail: thaynansilveiracabral@gmail.com ORCID: 0000-0001-8761-0589

 

Como citar: Hummel JR, Busanello J, Hatmann AE, Evaldt RCFS, Cabral TS. Emergências obstétricas: estudo de caso múltiplo em terapia intensiva. J. nurs. health. 2022;12(2):e2212221401. Disponível em: https://doi.org/10.15210/jonah.v12i2.3405





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