Emergências
obstétricas: estudo de caso múltiplo em terapia intensiva
Obstetric emergencies: multiple case study in intensive care
Emergencias obstétricas:
estudio de casos múltiples en cuidados
intensivos
Hummel, Julia
Richter;[1] Busanello, Josefine;[2] Hatmann, Ana Elisa;[3] Evaldt, Rita de Cássia Fossati
Silveira;[4]
Cabral, Thaynan Silveira [5]
RESUMO
Objetivo: analisar quatro casos de
emergências obstétricas assistidas em uma unidade de terapia intensiva adulto
de um hospital do interior do Brasil. Método:
estudo qualitativo, do tipo estudo de casos múltiplos, envolvendo quatro
mulheres com emergência obstétrica de um hospital da Fronteira Oeste do Rio
Grande do Sul, no período entre 2016 e 2018. O instrumento de coleta resgatou
as características sociais e clínicas, segundo seus prontuários. A análise
temática de dados foi baseada nas perguntas e confronto com a literatura. Resultados: as mulheres apresentaram os
diagnósticos de acidente vascular cerebral hemorrágico, eclâmpsia,
tromboembolia pulmonar e sepse. Faixa etária entre 28
e 44 anos, sendo três gestantes e uma puérpera. Tempo de espera para internação
de um dia para todas, e tempo médio de permanência foi de seis dias. Conclusões: o estudo permite auxílio na
construção de protocolos e na articulação das redes de atenção à gestação de
alto risco.
Descritores: Perfil de saúde; Cuidados
críticos; Obstetrícia; Unidade hospitalar de ginecologia e obstetrícia;
Enfermagem obstétrica
ABSTRACT
Objective: the objective was to analyze four cases of obstetric emergencies assisted in an adult intensive care unit of a hospital in the interior of Brazil. Method: qualitative study, of the multiple case study type, involving four women with obstetric emergency of a hospital in Rio Grande do Sul, in the period between 2016 and 2018. The collection instrument rescued the social and clinical characteristics, according to their medical records. Thematic analysis of data was based on questions and comparison with the literature. Results: the women presented the diagnoses of hemorrhagic stroke, eclampsia, pulmonary thromboembolism and sepsis. Age group between 28 and 44 years old, being three pregnant women and one puerperal woman. Waiting time for admission of one day for all, and average length of stay of six days. Conclusions: the study allows assistance in the construction of protocols and in the articulation of care networks for high-risk pregnancy.
Descriptors: Health profile; Critical care; Obstetrics; Obstetrics and gynecology department, hospital; Obstetric nursing
RESUMEN
Objetivo: analizar cuatro casos de urgencias obstétricas atendidas en una unidad de cuidados intensivos de adultos de un hospital del interior de Brasil. Método: estudio cualitativo, del tipo estudio de caso múltiple, involucrando cuatro mujeres con emergencia obstétrica de un Hospital en Rio Grande do Sul, en el período comprendido entre 2016 y 2018. El instrumento de recolección rescatado las características sociales y clínicas, según sus historias clínicas. El análisis temático de los datos se basó en preguntas y comparación con la literatura. Resultados: las mujeres presentaron los diagnósticos de ictus hemorrágico, eclampsia, tromboembolismo pulmonar y sepsis. Grupo de edad entre 28 y 44 años, siendo tres gestantes y una puérpera. Tiempo de espera para ingreso de un día para todos, y estancia media de seis días. Conclusiones: el estudio permite auxiliar en la construcción de protocolos y en la articulación de redes de atención al embarazo de alto riesgo.
Descriptores: Perfil
de salud; Cuidados críticos; Obstetricia; Servicio de ginecología y obstetricia en hospital; Enfermería obstétrica
INTRODUÇÃO
Emergências
obstétricas são situações que decorrem durante a gestação, parto e puerpério, e
podem gerar complicações maternas e fetais.1-2 As principais
emergências obstétricas envolvem quadros hipertensivos, hemorrágicos,
infecciosos, cardiopatias e eventos trombóticos.3-8 Os distúrbios
hipertensivos incluem pré-eclâmpsia grave, eclampsia e hipertensão arterial
crônica, agravada pela gestação.8 A diabetes mellitus crônica e a
gestacional não são consideradas emergências obstétricas, mas contribuem para o
desenvolvimento de quadros hipertensivos e infecciosos graves.1-2
No
Brasil, no ano de 2018, as emergências obstétricas implicaram em 59,9 mortes
maternas para cada 100.000 nascidos vivos.1 Além do alto índice de
mortalidade materna, as emergências obstétricas estão associadas a “near miss” materno, que se refere à quase
morte materna no período que decorre da gestação até 42 dias após o parto.
Essas situações clínicas graves exigem tratamento e suporte avançado em Unidade
de Terapia Intensiva (UTI), visando preservar a vitalidade materna e fetal.4
Considerando
a assistência intensiva e avançada nas emergências obstétricas, um estudo
analisou a internação de 9.555 mulheres em 27 centros de referência no Brasil.
Foi evidenciado que 85,1% das mulheres foram atendidas em instituições
hospitalares com disponibilidades de leitos em UTI; porém, apenas 25,3% delas foram
realmente internadas em UTI. Quando analisada a proporção de morte materna,
17,1% das mulheres morreram sem internação em UTI, e 5,6% morreram durante o
tratamento na UTI. O estudo concluiu que a não realização da estratificação de
gravidade, para a utilização de leitos de UTI e tratamento das emergências
obstétricas, pode trazer prejuízos para as mulheres e para a gestão do sistema
de saúde.9
Recentemente,
essa problemática ficou mais evidente frente à pandemia do Síndrome
Respiratória Aguda Grave do Coronavírus 2 (SARS-COV-2). Um estudo brasileiro
analisou 978 mulheres gestantes e puérperas com diagnóstico de COVID-19, e
evidenciou taxa de letalidade de 12,7% (n=124).
Entre os óbitos, a taxa de uso de ventilação mecânica foi de 64% (n=66);
e 14,6% (n=15) não foram manejados com suporte ventilatório em UTI. O estudo
também destaca que 22,6% das mulheres que foram a óbito, mesmo necessitando de
cuidados intensivos, não chegaram a ser admitidas em UTI. Esse dado demonstra
que pode haver falha no fluxo de pacientes com emergências obstétricas para
acessar a unidade intensiva e os suportes de vida que ela oferece.10
O
presente estudo permite a compreensão da assistência direcionada às emergências
obstétricas, e poderá contribuir para a gestão dos serviços de saúde,
especialmente a organização dos fluxos dessas situações nos hospitais, e a
definição dos critérios para a admissão das mulheres na UTI. Ademais, o estudo
é relevante, pois poderá subsidiar a organização do cuidado e a implementação
de atividades de capacitação para os profissionais visando a assistência
integral à saúde à mulher no ciclo gravídico-puerperal e no cuidado intensivo
frente às emergências obstétricas.
Considerando
o exposto, questiona-se: Quais as características sociais das mulheres com
emergências obstétricas atendidas em UTI? Quais as principais intervenções
implementadas durante o cuidado intensivo e o desfecho clínico? Assim,
objetivou-se analisar quatro casos de emergências obstétricas assistidas em uma
unidade de terapia intensiva adulto de um hospital do interior do Brasil.
MATERIAIS E MÉTODO
O
presente estudo qualitativo foi desenvolvido a partir da técnica de estudo de
casos múltiplos, que visa investigação profunda e aplicada em diversas
situações, proporcionando comparação, reflexões e discussões sobre o tema.11
Está vinculado à pesquisa matricial intitulada “Perfil clínico e social dos
pacientes internados na Unidade de Terapia Intensiva Adulto de um Hospital da
Fronteira Oeste do RS”. Para o desenvolvimento do estudo de casos múltiplos
seguiu-se a Etapa 1, Etapa 2 e Etapa 3, detalhadas a seguir.
Etapa
1: Projeção do estudo11
Para
a projeção do estudo foram definidos os critérios de definição do caso. Foram
considerados como critérios de inclusão de caso: ser gestante ou puérpera, com
diagnóstico de emergência obstétrica, internada em UTI. Considerou-se como
cenário do estudo uma UTI Adulto de um Hospital da Fronteira Oeste do Rio
Grande do Sul. Essa unidade disponibiliza 10 leitos de internação geral, e está
alocada em uma instituição de médio porte que é referência loco regional. Esse
hospital também possui maternidade com 37 leitos, e disponibiliza UTI Neonatal
com oito leitos. O período estudado foi 2016 a 2018, no qual ocorreram 419
internações na referida UTI. Dessas, quatro internações foram de pacientes com
emergência obstétrica, representando 0,95% das internações.
As
questões norteadoras para a projeção do estudo de caso múltiplo foram: Quais os
dados sociodemográficos das mulheres com emergências obstétricas atendidas em
UTI? Qual o histórico do pré-natal e antecedentes gestacionais? Que sinais e
sintomas foram identificados na avaliação inicial e que indicaram a necessidade
de internação na UTI? Qual o tempo de espera das pacientes para internação em
UTI após a indicação? Qual o diagnóstico clínico no momento da internação na
UTI? Que tipo avaliação obstétrica/ginecológica foi realizada durante a
internação na UTI? Quais os cuidados intensivos implementados? Quais os
desfechos clínicos?
Etapa
2 – Coleta das informações e formatação dos casos clínicos11
A
organização da coleta das informações ocorreu a partir da elaboração de um
instrumento semiestruturado para o resgate de informações pertinentes acerca
dos dados sociodemográficos (idade; escolaridade; cor; profissão; estado
civil); e as características clínicas, com ênfase nas informações sobre
gestação e antecedentes obstétricos e ginecológicos (exame físico, avaliação
obstétrica e exames complementares realizados na maternidade/pronto socorro e
em UTI adulta; critérios/emergências de elegibilidade de emergência
obstétrica). Como características do tratamento intensivo foram consideradas
informações sobre os medicamentos utilizados; procedimentos, intervenções,
tempo de internação na UTI e desfechos clínicos. Previamente a realização da
coleta dos casos, realizou-se um estudo piloto com o objetivo de averiguar a
pertinência do instrumento.
As
informações foram coletadas nos prontuários, que se constituem como fonte de
dados documental. A coleta foi realizada no Serviço de Arquivo Médico e
Estatística (SAME), do referido
hospital no mês de dezembro do ano de 2019.
Os
dados obtidos foram organizados em um arquivo de Microsoft Office Word®, versão 16.0 do ano de 2019,
configurando quatro casos clínicos estruturados com os seguintes tópicos:
Características sociais, gestação e antecedentes, exame físico na maternidade
ou pronto socorro, avaliação obstétrica/ginecológica na maternidade ou pronto
socorro, exames complementares realizados na maternidade ou pronto socorro,
critérios/emergência de elegibilidade de emergência obstétrica, exame físico em
UTI, avaliação obstétrica/ginecológica em UTI, exames complementares realizados
em UTI, medicações utilizadas durante o tratamento, procedimentos realizados em
UTI, intervenções médicas, tempo de internação, desfecho da mãe e desfecho do
recém-nascido.
Etapa
3: Análise dos casos clínicos11
A
estratégia utilizada para análise dos Casos de Emergência Obstétrica (CEO) foi
a análise temática. Assim, em um primeiro momento, os casos foram analisados
individualmente,11 com enfoque para o tipo de emergência obstétrica,
idade, história pré-natal, comorbidades, procedimentos obstétricos, cuidados
intensivos e desfecho. Posteriormente, ocorreu o cruzamento das informações dos
CEO,11 sendo os mesmos analisados na sua totalidade, buscando
identificar semelhanças e diferenças entre os casos e a assistência
implementada às mulheres. Considerando as questões norteadoras para a projeção
do estudo de caso múltiplo e o cruzamento dos CEO foram definidas as categorias
temáticas.
A
pesquisa foi conduzida de acordo com os padrões éticos exigidos. Foi aprovada
pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal do Pampa, sob parecer
número 3.404.096, em 20 de junho de 2019, Certificado de Apresentação de
Apreciação Ética 12237519.4.0000.5323.
RESULTADOS
O
presente estudo analisou quatro casos de pacientes com emergências obstétricas,
assistidas em UTI, e que envolveram os seguintes diagnósticos clínicos:
acidente vascular cerebral hemorrágico; eclâmpsia; tromboembolia pulmonar; e sepse. O Quadro 1 apresenta a
síntese dos casos estudados, e os resultados são apresentados nas duas
categorias temáticas: Características sociodemográficas, clínicas e pré-natais;
e A evolução clínica das emergências obstétricas na UTI.
Quadro 1: Síntese dos casos de emergência obstétrica assistidas
em UTI adulta, no período de 2016 a 2018
CEO1. 44 anos; ensino médio completo;
cor/raça parda; desempregada/do lar; evangélica; casada; 25ª semana de
gestação; duas consultas pré-natal; multigesta (4ª gestação). Antecedente
obstétrico de um aborto e duas cesarianas. Diagnóstico de acidente vascular
cerebral hemorrágico. Um dia de espera entre indicação e internação na UTI.
Na UTI foi realizada avaliação de batimento fetal, ultrassonografia
(anteriormente à cesariana) e avaliação da ferida operatória (após
cesariana). Óbito materno, alta do recém-nascido. |
CEO2. 29 anos; ensino médio completo;
cor/raça branca; desempregada/do lar; católica; união estável; 30ª semana de
gestação; realizou cinco consultas de pré-natal; multigesta (2ª gestação),
com parto normal anteriormente. Diagnóstico de eclâmpsia.
Um dia de espera entre indicação e internação na UTI. Na UTI foi realizada
avaliação de batimentos fetais (anteriormente à cesárea) e avaliação da
ferida operatória, presença de lóquios (após
cesárea). Alta materna, óbito fetal. |
CEO3. 28 anos; ensino médio completo;
cor/raça negra; desempregada/do lar; evangélica; solteira. 34ª semanas de
gestação; sem registro do número de consultas de pré-natal; multigesta (2ª
gestação), com parto normal prévio. Diagnóstico de tromboembolia
pulmonar. Um dia de espera entre indicação e internação na UTI. Na UTI
realizou avaliação dos batimentos fetais. Alta materna e do recém-nascido. |
CEO4. 32 anos; ensino médio completo;
cor/raça parda; trabalhadora doméstica; católica; casada. Puérpera, nove dias
pós-parto. Diagnóstico de sepse. Um dia de espera entre indicação e
internação na UTI. Na UTI realizada avaliação de atonia uterina, presença de lóquios e de sangramento excessivo. Óbito. |
Fonte:
Elaborado pelas autoras, 2020.
Características
sociodemográficas, clínicas e pré-natais
A
faixa etária das mulheres que apresentaram emergência obstétrica variou de 28 a
44 anos, sendo três gestantes e uma puérpera. Em relação às características
sociais, observa-se que as pacientes apresentaram ensino médio completo, porém
sem renda fixa e nem trabalho formal.
As
gestantes foram hospitalizadas no segundo e terceiro trimestre da gestação, e apresentaram
histórico pré-natal incompleto, sendo realizadas de duas a cinco consultas.
Três, das quatro pacientes, já haviam realizado parto normal anteriormente.
Além disso, três mulheres eram multíparas, e uma não apresentava essa
informação em seu prontuário.
O
tempo de espera entre a indicação e a internação na UTI foi de um dia, sendo o
mesmo para todas. Considerando os sinais e sintomas, identificados na avaliação
inicial, e que indicaram a necessidade de internação na UTI, observam-se
particularidades entre os casos, considerando o tipo de emergência obstétrica
apresentada e diagnóstico clínico.
CEO1
e CEO2 envolveram Síndromes Hipertensivas, nas quais os principais sinais e
sintomas foram alteração neurológica, hipertensão arterial sistêmica e taquicardia.
CEO1, em sua avaliação inicial, apresentou escala de coma de Glasgow três,
pupilas isocóricas, com suspeita de morte encefálica. Foi entubada já na
chegada ao pronto socorro, apresentando hipertensão arterial sistêmica (180/100
milímetros de mercúrio), taquicardia e edema generalizado. Hemoglicoteste
indicando 92 miligramas por decilitro; e batimentos fetais positivos (150
batimentos por minuto). Paciente realizava tratamento para hipertensão arterial
sistêmica com Metildopa.
Na
internação de CEO2 o acompanhante relatou que a paciente apresentou convulsão.
Apresentou escala de coma de Glasgow 14, com confusão e sonolência; hipertensão
arterial sistêmica (220/110 milímetros de mercúrio); taquicardia (120
batimentos por minuto); taquipneia (22 movimentos respiratórios por minuto);
saturação 99%; hemoglicoteste 88 miligramas por
decilitro; edema em membros. Apresentou perda de líquido amniótico de cor clara
e batimentos fetais positivos. Paciente obesa, sem diagnóstico de hipertensão
gestacional e tratamento.
CEO3,
em sua avaliação inicial no pronto socorro, apresentou saturação 82% e dispneia
intensa. De imediato foi instalado oxigenoterapia a seis litros de oxigênio por
minuto com máscara facial com reservatório. Hipertensa (130/100 milímetros de
mercúrio) e taquicárdica (113 batimentos por minuto).
Secreção vaginal de coloração esverdeada e odor fétido. Batimentos cardíacos
fetais positivos (146 batimentos por minuto). Histórico de trombose venosa
profunda e embolia pulmonar, realizava tratamento com anticoagulantes.
CEO4,
no seu nono dia de puerpério, foi atendida no pronto-socorro com queixa de dor
abdominal. Apresentou saturação 95%, taquipnéia (21
movimentos respiratórios por minuto), hipotensão arterial (70/50 milímetros de
mercúrio), taquicardia (135 batimentos por minuto). Apresentou sangramento
vaginal com odor fétido. Histórico com confirmação de vírus da imunodeficiência
humana (HIV) positivo.
A
evolução clínica das emergências obstétricas na UTI
Em
relação à primeira avaliação na UTI, observou-se em CEO1 que a paciente
apresentou escala de coma de Glasgow três, mantendo suporte ventilatório com
tubo orotraqueal. Manteve-se hipertensa (170/84 milímetros de mercúrio) e taquicárdica (106 batimentos por minuto). Batimentos
cardíacos fetais positivos (166 batimentos por minuto). Não houve melhora do
quadro clínico, realizado tomografia do crânio e confirmado acidente vascular
hemorrágico. Paciente foi encaminhada para bloco cirúrgico para realização de
cesárea. Recém-nascido com 25 semanas apresentou Apgar
oito, sem intercorrências, e encaminhado para UTI neonatal. Após cesárea,
paciente retornou para a UTI, e foi iniciado protocolo de morte encefálica, que
foi confirmada. Familiares optaram pela não doação de órgãos. Paciente teve
três dias de internação na UTI. Recém-nascido recebeu alta do hospital. Em toda
sua internação, a paciente utilizou os seguintes medicamentos: Captopril,
Clonidina, Hidralazina, Betametasona,
Metilprednisolona, Fenitoína,
Metoclopramida, Midazolan,
Insulina, Levotiroxina e Dipirona.
Considerando
as informações sobre a internação na UTI observadas no CEO2, paciente
apresentava-se agitada, com respiração espontânea e oxigenoterapia a dois
litros por minuto. Normotensa, normocárdica, porém
mantendo edema generalizado. Instituído cateter para esvaziamento gástrico,
apresentando drenagem de secreção escura. Batimentos fetais presentes na
internação, porém confirmada a morte fetal por ultrassonografia na UTI.
Indicada cesárea para preservação da vitalidade materna. Após o parto, paciente
retornou para a UTI e teve evolução do quadro clínico, sendo transferida para a
maternidade. Posteriormente obteve alta hospitalar. Paciente teve dois dias de
internação na UTI. As medicações utilizadas em todo seu tratamento foram:
Ampicilina, Losartana, Metildopa, Hidralazina, Valium, Sulfato de magnésio, Heparina, Metoclopramida
e Buscopan.
Na
análise de CEO3 a paciente na UTI apresentava-se lúcida e colaborativa,
referindo náusea. Saturação 90% e esforço respiratório, mesmo com
oxigenoterapia a cinco litros de oxigênio por minuto. Normotensa e normocárdica. Útero indolor, com batimentos cardíacos
fetais de 168 batimentos por minuto. Durante sua internação na UTI utilizou
terapia anticoagulante com heparina não fracionada. Paciente teve quatro dias
de internação na UTI. Foi transferida para a maternidade, realizou cesariana
sem intercorrências, e recebeu alta da unidade, juntamente com seu
recém-nascido. Durante todo seu tratamento foram utilizadas as seguintes
medicações: Kefazol, Metildopa, Heparina, Metoclopramida e Dipirona.
Conforme
informações de CEO4, na UTI a paciente estava lúcida e comunicativa, com queixa
de irritabilidade peritoneal e dor abdominal. Mantinha oxigenoterapia com três
litros de oxigênio por minuto. Manteve-se hipotensa (90/40 milímetros de
mercúrio) e taquicardia. Teve perda de grande quantidade de secreção
sanguinolenta via vaginal. Durante sua internação na UTI realizou curetagem
para retirada de restos placentários. Posteriormente, foi entubada e recebeu
suporte ventilatório. Na hemocultura apresentou resistência a todos os
antibióticos. Paciente manteve instabilidade hemodinâmica, com hipotensão
persistente, mesmo em uso de noradrenalina. Apresentou parada cardiopulmonar após
15 dias de internação na UTI e evoluiu para óbito. As medicações utilizadas no
tratamento foram: Cefazolina, Clindamicina,
Gentamicina, Ampicilina, Ceftriaxona, Furosemida, Metoclopramida, Dipirona, Petidina,
Heparina, Metronidazol, Midazolan, Fentanil, Omeprazol, Noripurum,
Complexo B, Ácido ascórbico, Noradrenalina, Gluconato,
Cálcio, Enterogermina, Metoclopramida.
A
partir da análise das informações dos quatro CEO observa-se que a média de dias
de internação foi de seis dias, nos quais as mulheres foram submetidas a
monitorização e vigilância permanente, além de avaliação ginecológica e
obstétrica. Em relação ao suporte ventilatório avançado, identificou-se que CEO
1 e CEO4 necessitaram de via aérea artificial, ventilação mecânica e sedação.
Todas as pacientes utilizaram de terapia vasoativas para controle da
instabilidade hemodinâmica.
DISCUSSÃO
As
características sociodemográficas, clínicas e pré-natais identificadas nos
casos analisados coadunam com outros estudos publicados.3,6,12 A
maioria das mulheres estão na faixa etária entre 28 a
44 anos, são pardas, têm união estável, e com início do pré-natal no 1º
trimestre gestacional, com 4 a 6 consultas.6 Quanto à escolaridade,
o presente estudo de casos múltiplos também evidenciou a tendência das mulheres
com ensino médio completo.6,12
No
que se diz respeito às consultas de pré-natal, nos estudos de casos analisados,
apenas duas mulheres realizaram o número de consultas indicadas, e as demais
tiveram menos de seis consultas. A maioria das mulheres, que desenvolvem
emergência obstétrica, tem início do pré-natal no primeiro trimestre
gestacional, realizando de quatro a seis consultas.6 O Ministério da
Saúde recomenda o mínimo de seis consultas para um pré-natal de qualidade. A
evidência da fragilidade do pré-natal, identificada na análise dos casos e em
outros estudos,3,6,12 justifica a detecção tardia de situações e
fatores que condição o agravo materno e fetal.1
Dentre
as principais emergências obstétricas, que exigem internação das mulheres em
UTI, estão as crises hipertensivas. Em uma UTI foram investigadas 139 mulheres
admitidas em estado grave, das quais 43,9% apresentaram síndrome hipertensiva
específica da gravidez.6 Outro estudo analisou 430 gestantes com
idade acima de 35 anos, e evidenciou que 54 mulheres apresentaram essa
complicação.7 Em atendimentos pelo Sistema Único de Saúde no estado
de São Paulo, foram investigadas 2.360 complicações gestacionais, nas quais a
incidência das doenças hipertensivas foi de 22%.3
Quanto
ao tempo de espera para a internação em UTI, um estudo sobre morbidade materna
grave em unidades públicas de terapia intensiva, não relaciona a demora da
internação como o principal responsável pelo agravamento do quadro clínico,
sugerindo haver atraso na intervenção inicial.13 Nesse sentido,
destaca-se a importância da avaliação inicial, com a identificação dos fatores
de risco e complicações, para garantir a assistência mais adequada.1
A
mulher gestante, que acessa serviço de saúde com rebaixamento do sensório e não
responsiva, deve receber classificação de emergência com necessidade de cuidado
imediato. Mulheres com histórico de convulsão, juntamente com alteração do
estado mental e pressão arterial sistólica maior ou igual de 160 mmHg e/ou
pressão arterial diastólica igual ou maior que 110 mmHg milímetros de mercúrio,
devem receber atendimento em até 15 minutos em um centro obstétrico, sempre com
prioridade no atendimento, pois demanda um cuidado de emergência.14
A
diabetes mellitus também é uma condição que pode acarretar complicações durante
a gestação. Em gestantes acima de 35 anos de idade, a diabetes gestacional
prevalece em aproximadamente 17% (n=73) das mulheres.5 Uma pesquisa
que investigou 2.360 mulheres com complicações gestacionais, atendidas pelo
Sistema Único de saúde, destacou que 13,8% das mulheres apresentavam essa
condição.3
Pré-eclâmpsia
e eclâmpsia também aparecem como uma das principais
emergências obstétricas.1-13 Um estudo evidenciou que 22% das
gestantes, com idade acima de 35 anos, desenvolveram pré-eclâmpsia.5
Outra pesquisa, com a análise de 106 prontuários de mulheres admitidas em UTI
obstétrica, identificou a predominância de eclâmpsia,
síndrome de hellp, e pré-eclâmpsia grave. No momento
de admissão na UTI, a maioria das mulheres encontravam-se em puerpério
imediato.6
Para
a avaliação e assistência inicial das gestantes que apresentam sinais
sugestivos de eclâmpsia é necessário considerar:
avaliação da permeabilidade aérea, suporte de oxigênio, providenciar dois
acessos venosos calibrosos, administrar de sulfato de magnésio para a prevenção
de danos clínicos obstétricos secundários à convulsão, exame físico geral e
obstétrico, avaliação do feto e, se indicação, interrupção da interrupção da
gravidez.14-16
Os
medicamentos para o controle da hipertensão são: Nifedipina,
Hidralazina ou Nitroprussiato
de sódio. Além disso, o sulfato de magnésio é imprescindível para o tratamento
da eclâmpsia, sendo necessária a monitorização
contínua da paciente. Em CEO2 gestante apresentou o quadro de eclâmpsia (CEO2) realizou o uso de Hidralazina
para controle da hipertensão, sulfato de magnésio para as convulsões e realizou
cesárea para interrupção da gravidez, conforme prevê a literatura.14-16
A
gravidez desencadeia eventos fisiológicos comparados a uma trombofilia,
pois aumenta cinco vezes as chances de tromboembolismo venoso, quando comparado
a uma mulher não gestante. O tromboembolismo venoso pode facilmente evoluir
para uma embolia pulmonar, que na gravidez, é de difícil diagnóstico, sendo que
É
importante ressaltar que a utilização de heparina de baixo peso molecular, no
pré-natal e pós-parto, é a melhor forma de prevenção do tromboembolismo. Mulheres
que desenvolvem eventos trombóticos, com sinais clínicos de embolia pulmonar,
necessitam de internação hospitalar imediata e o uso de anticoagulantes.16
Nesta perspectiva, a conduta realizada com a paciente do CEO3 foi adequada e
seguiu as recomendações previstas na literatura.14,16 Por
consequência, o desfecho foi positivo, com alta materna e do recém-nascido.
Infecção
e sepse também são importantes condições que se manifestam como principais
complicações obstétricas.14,16,17 Como medidas de diagnóstico
precoce da infecção puerperal, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária
alerta para: febre, dor, rubor, lóquios
amarelados/acastanhados ou de mau cheiro. No caso de suspeita, deve-se
solicitar com urgência uma avaliação obstétrica e ginecológica para diagnóstico
precoce e tratamento imediatamente.16-17 A conduta mais adequada em
suspeita de sepse puerperal é realização de hemograma e coleta de cultura,
curetagem, para a retirada de restos placentários, e antibioticoterapia.17
O HIV desencadeia o comprometimento do sistema imunológico, ocasionando
uma maior vulnerabilidade de adquirir infecções oportunistas e maior
dificuldade de tratá-las.18 Por esse motivo se explica o desfecho do
CEO4, a paciente apresentou resistência a todos os antibióticos, acarretando ao
óbito após 16 dias de internação.
Quanto
aos desfechos clínicos dos casos de emergência obstétricas avaliadas, um estudo
realizado em uma UTI de Fortaleza, evidenciou que 77% das mulheres obtiveram
transferência de setor, 13% alta hospitalar/médica e apenas 4% óbitos.6
Já com os desfechos perinatais, no estudo com as mulheres atendidas pelo
Sistema Único de Saúde que sofreram complicações na gravidez em São Paulo, a
razão de mortalidade fetal foi de 19,7 por mil nascidos vivos.3
Deve-se
priorizar atendimento para as mulheres com sinais e sintomas que apresentam
gravidade. Para isso, é essencial a utilização de um fluxograma para
atendimento e classificação, contendo como pontos chave de decisão: alteração
do nível de consciência/estado mental, avaliação da respiração e ventilação,
avaliação da circulação, avaliação da dor (escalas), sinais e sintomas gerais e
fatores de riscos que possam ser agravantes no caso clínico.14
Como
limitações do estudo destaca-se o baixo número de internações obstétricas na
UTI no período estudado, não permitindo comparações de casos com a mesma
emergência. Além disso, alguns prontuários não apresentavam dados completos,
como o número de consultas de pré-natal realizado, dado de extrema importância
para investigação dos casos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As
emergências obstétricas apresentadas exigiram internação na UTI para controle e
tratamento das complicações. Contudo, não é possível relatar que representam o
quantitativo real de casos de emergências obstétricas que são assistidas em UTI
em outros cenários, considerando a disponibilidade de leitos e organização da
rede de atenção à saúde da mulher.
Os
desfechos de sobrevida para as mulheres e para os recém-nascidos, seguiram
condutas realizadas para reversão dos quadros clínicos foram adequadas, segundo
a literatura. O presente estudo permite subsidiar o serviço na construção de
protocolos, auxiliar na articulação das redes de atenção à saúde para mulheres
com gestação de alto risco, além de ser utilizado como ferramenta de ensino
para a abordagem das emergências obstétricas.
REFERÊNCIAS
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Recebido em: 07/12/2021
Aceito em: 13/09/2022
Publicado em: 24/10/2022
[1] Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). Uruguaiana, Rio Grande do Sul (RS). Brasil (BR). E-mail: juliarichterhummel@gmail.com ORCID: 0000-0003-4817-4870
[2] Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). Uruguaiana, Rio Grande do Sul (RS). Brasil (BR). E-mail: josefinebusanello@unipampa.edu.br ORCID:0000-0002-9950-9514
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Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). Uruguaiana, Rio
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0000-0001-8761-0589
Como citar: Hummel JR, Busanello J, Hatmann AE, Evaldt RCFS, Cabral TS. Emergências obstétricas: estudo de
caso múltiplo em terapia intensiva. J. nurs. health. 2022;12(2):e2212221401. Disponível em: https://doi.org/10.15210/jonah.v12i2.3405
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