ARTIGO ORIGINAL

Avaliação da espiritualidade e do bem-estar espiritual em estudantes da graduação de enfermagem

Evaluation of spirituality and spiritual well-being in nursing graduation students

Evaluación de espiritualidad y bienestar espiritual en estudiantes de graduación de enfermería

Silva, Sonia Hutul;[1] Martins, Eleine Aparecida Penha[2]

RESUMO

Objetivo: avaliar a espiritualidade e o bem-estar espiritual em estudantes de graduação em enfermagem. Método: estudo quantitativo e observacional com estudantes de enfermagem do primeiro e último ano no primeiro semestre de 2020, de quatro universidades em uma cidade no norte do Estado do Paraná. Foram aplicados e analisados Escala de avaliação da espiritualidade, e Escala de Bem-Estar Espiritual, e apresentados por meio de análise descritiva dos dados. Resultados: 87,8% (n=58) dos participantes têm pensamentos espirituais e 83,4% (n=55) com influência da religiosidade, com alto score de espiritualidade com 22,2 pontos, 54,5% (n=36) apresentaram alto score de bem-estar espiritual classificados como positivo, enquanto 45,5% (n=30) apresentaram score negativo. Conclusão: a maioria dos estudantes se esforçam em viver de acordo com sua crença religiosa, bem como sua vida está baseada na espiritualidade que possui. Na escala de bem-estar espiritual, observou-se pouca diferença entre os índices positivo e negativo no grupo.

Descritores: Espiritualidade; Enfermagem; Estudantes de enfermagem

ABSTRACT

Objective: to evaluate spirituality and well-being spiritual in undergraduate nursing students. Method: quantitative and observational study with first and last year nursing students in the first semester of 2020, from four universities in a city in the north of the state of Paraná. The Spirituality Assessment Scale and the Spiritual Well-Being Scale were applied and treated through descriptive data analysis. Results: 87.8% (n=58) of the participants have spiritual thoughts and 83.4% (n=55) are influenced by religiosity, with a high spirituality score with 22.2 points, 54.5% (n=36) had a high spiritual well-being score classified as positive, while 45.5% (n=30) had a negative score. Conclusion: most students strive to live according to their religious belief, as well as their life is based on the spirituality they have. On the spiritual well-being scale, there was little difference between the positive and negative indices in the group.

Descriptors: Spirituality; Nursing; Students, Nursing

RESUMEN

Objetivo: evaluar la espiritualidad y el bienestar espiritual en estudiantes de graduación en enfermería. Método: estudio observacional con estudiantes de primero y último año del primer semestre de 2020, de cuatro universidades de una ciudad del estado de Paraná. Se aplicaron la Escala de Evaluación de la Espiritualidad y de Bienestar Espiritual, y se presentaron a través del análisis descriptivo de los datos. Resultados: el 87,8% (n=58) de los participantes tienen pensamientos espirituales y el 83,4% (n=55) están influenciados por la religiosidad, con un puntaje alto de espiritualidad con 22,2 puntos, el 54,5% (n=36) tienen un alto bienestar espiritual, siendo el puntaje clasificado como positivo, mientras que el 45,5% (n=30) tuvo un puntaje negativo. Conclusión: los estudiantes se esfuerzan por vivir de acordó con su creencia religiosa, así como su vida se basa en la espiritualidad que poseen. El bienestar espiritual hubo poca diferencia de índices positivo/negativo en el grupo.

Descriptores: Espiritualidad; Enfermería; Estudiantes de enfermería

INTRODUÇÃO

A espiritualidade é vista como uma experiência humana individual e coletiva, observada por questões como auto-organização e humanismo.1 A espiritualidade como comportamento, crenças e valores de maneira pessoal sem necessidade de pertencer a uma instituição ou denominação religiosa. Distingue-se da religiosidade que concerne a instituições e tradições religiosas como um subconjunto de espiritualidade, embora correlacionadas, uma vez que a espiritualidade faz referência com o individual e a religiosidade está atrelada aos aspectos religiosos e crenças.2

As expressões Religiosidade e Espiritualidade (R/E) compreendem a subjetividade dos fenômenos vivenciados e ampliam o sentir e o conhecer sobre fenômenos individuais.3 A religião se configura como um sistema organizado de crenças e práticas que facilitam a proximidade com o transcendente.4 Considerando que a R/E se relaciona com o subjetivo do indivíduo muitas vezes fortalecendo-o em situações de medo e crise nos contextos de assistência à saúde,5 cabe ao enfermeiro estar atento aos sinais positivos e negativos deste recurso a fim de estabelecer estratégias e ações assertivas do cuidado em enfermagem.

Faz-se necessário conceituar bem-estar espiritual e bem-estar religioso. Para fins acadêmicos formas padronizadas de análise de construto na temática da R/E é aconselhável e no Brasil, esta é avaliada por meio de instrumentos muitas vezes destinados para construtos diversos como qualidade de vida e coping religioso/espiritual.6 Observa-se no construto de bem-estar religioso a verticalidade, ou seja, bem-estar do sujeito com relação à Deus e a horizontalidade no bem-estar espiritual quando se refere ao bem-estar consigo próprio e com tudo que o cerca, o sentido e propósito de vida.7

O estado de bem-estar espiritual é considerado dinâmico, um constructo instável, onde há períodos de estabilidade.6 Os autores ainda ressaltam a diversidade e complexidade de variáveis em estudos de R/E como crenças, orientação religiosa, fé, relação com a morte que incluem dimensões que passam pelo emocional, cognitivo e comportamental.

Ainda, o construto bem-estar espiritual se refere à sensação de bem-estar relativo ao comprometimento com o propósito na vida.6 Ao bem-estar existencial seu conteúdo diz respeito a uma expectativa positiva com relação ao futuro, otimismo e propósito de vida. Já nas questões que fazem referência à relação pessoal com Deus descreve se a fé proporciona bem-estar, satisfação e ausência de solidão.8

A Escala de avaliação da espiritualidade - Spirituality Self-Rating Scale (SSRS),9 está voltada para avaliação da espiritualidade do indivíduo e o quanto este a considera importante, traz relação com pensamentos espirituais e meditações, viver de acordo com suas crenças religiosas, interesse em leituras de cunho espiritual e/ou religioso, estabilidade e equilíbrio da vida e, se considera a espiritualidade como base para sua vida. Este conhecimento acessado pelo profissional enfermeiro pode ser relevante no cuidado em saúde uma vez que poderá intervir favorecendo o processo terapêutico caso identificar o quanto o paciente considera importante sua espiritualidade.9

A espiritualidade é tema na enfermagem tendo em 1947 a primeira publicação científica a este respeito.7 Em seu contexto histórico da enfermagem,10 existe por essência, a dimensão religiosa-espiritual por representar um aspecto relevante da vida humana. Estudo aponta que a prática religiosa é maior nos alunos dos cursos de Enfermagem quando comparados aos alunos dos cursos de Medicina.11

Teoristas de enfermagem como Jean Watson, Wanda Horta, Martha Rogers, Margareth Newman e Rosemary Rizzo Parse trazem a espiritualidade em suas teorias e em 1980 a Associação Norte Americana de Diagnósticos de Enfermagem (NANDA - I)12 classifica o padrão de espiritualidade nos indicadores diagnósticos através de uma taxonomia de excelência, onde são descritos bem-estar espiritual, religiosidade e sofrimento espiritual.10 Para sofrimento espiritual NANDA-I12 relaciona à perda da capacidade do indivíduo de ver significado na vida em uma conexão consigo e com todos à sua volta, incluindo um “Ser” maior. Quando diagnosticado pelo enfermeiro, poderão ser feitas intervenções que levarão desfechos positivos por meio do cuidado espiritual.13

Considerando esta semântica, para este estudo o conceito mais apropriado que se atribui para compreender a espiritualidade (o bem-estar espiritual e o bem- estar religioso), alinhados às escalas utilizadas, SSRS,9 e a Escala de Bem-Estar Espiritual (EBE) - (Spiritual Well-Being Scale),14 adaptada e validada por Marques, Sarriera e Dell’Áglio,8 bem como à população do estudo, vem de encontro ao proposto pela teorista de enfermagem Jean Watson,15 que considera que no cuidado deve-se alcançar corpo, mente e alma do ser cuidado. A espiritualidade demonstra o propósito e conexão entre os envolvidos no cuidado por meio das experiências vividas, buscando sentido e propósito à existência humana, a singularidade de estar no mundo em relação aos outros, a si próprio e com o universo, associado ou não à uma religião e suas crenças e ritos.12 Desta maneira esta dimensão humana valorizada pela teorista para o cuidado transpessoal converge para os constructos delineados pelos instrumentos utilizados.

Diante das reflexões teóricas trazidas por meio da literatura científica e dos processos que buscam um cuidado humanizado, holístico e integral, se faz necessário conhecer esta temática na realidade estudantil, desse modo, objetivou-se conhecer a avaliação da espiritualidade e caracterizar os índices de bem-estar espiritual (religioso e existencial) entre os estudantes de graduação em enfermagem. Assim, objetivou-se avaliar a espiritualidade e o bem-estar espiritual em estudantes de graduação em enfermagem.

MATERIAIS E MÉTODO

Trata-se de um estudo quantitativo, observacional com análise descritiva dos dados. O período de coleta de dados ocorreu entre os meses de julho e agosto de 2020 em quatro universidades participantes, sendo três privadas e uma pública, no norte do estado do Paraná, Brasil. Trata-se da segunda cidade mais populosa do Estado.

A população do estudo foi constituída de 373 estudantes. A princípio os dados seriam coletados presencialmente, porém face ao período de pandemia causada pelo novo coronavírus 2019, Coronavirus Disease 2019 (COVID-19), a pesquisa foi adaptada para a utilização do formulário eletrônico Google forms, com o retorno do preenchimento por 66 estudantes.

Adotou-se como critérios de inclusão ser aluno regular do primeiro e último ano de graduação em enfermagem no primeiro semestre de 2020 totalizando 189 estudantes. Foram aplicados os instrumentos de pesquisa em meio eletrônico. Para avaliar o perfil sociodemográfico, foram utilizados os seguintes dados: gênero, idade, renda familiar, renda individual, religião, prática religiosa do pai e da mãe.

Os instrumentos utilizados para a coleta de dados foram as SSRS,9 e a EBE,14 adaptada e validada,8 que acessa o bem-estar religioso e existencial a fim de classificar o score de bem-estar espiritual. Escalas preenchidas incompletas e não respondentes após a sexta tentativa de envio do formulário foram consideradas perdas.

A SSRS é composta por seis afirmativas, cujas respostas são do tipo Likert que variam de concordo muito (5) a discordo totalmente (1). Para o cálculo dos scores, é realizada a inversão dos valores de cada item do instrumento e as respostas dos seis itens são somadas para produzir o score total, e esse, por sua vez, representa o nível de orientação espiritual do indivíduo, com pontuação variando de seis a 30, ou seja, do menor (seis) ao maior nível de orientação espiritual (30). A versão brasileira desta escala apresentou valor de confiabilidade de Cronbach (α =0,8355).

A EBE é constituída por 20 itens, respondidos em uma escala do tipo Likert, de seis pontos, que varia de “concordo totalmente” a “discordo totalmente”. É uma das pioneiras no tema da espiritualidade e da religiosidade e é tida como um padrão de referência para os autores que delineiam instrumentos de mensuração da espiritualidade. Os scores revelaram alta fidedignidade e consistência interna.8

Estudo8 confirma a confiabilidade da escala no teste/re-teste foi 0,85 em três amostras (após uma, quatro e dez semanas), e o coeficiente alfa para consistência interna foi de 0,84 em sete amostras. A EBE é dividida em duas subescalas, nas quais dez itens são destinados à avaliação do bem-estar religioso (itens 1, 3, 5, 7, 9, 11, 13, 15, 17,19) as quais contém referência à Deus. Outras dez questões investigam o bem-estar existencial sem esta referência (itens 2, 4, 6, 8, 10, 12, 14, 16, 18, 20). Dez questões são escritas da direção positiva (3, 4, 7, 8, 10, 11, 14, 15, 17, 19 e 20), sendo somadas da seguinte maneira: CT=6, Cd=5, CP=4, DP=3, Dc=2 e DT=1. As demais questões são escritas na direção negativa e devem ser somadas de forma invertida (CT=1, Cd=2, CP=3 e assim por diante).8 Os escores das duas subescalas são somados para obtenção da medida geral de bem-estar espiritual, que podem variar de 20 a 120. Os autores da escala sugerem o estabelecimento de pontuação de corte com os intervalos de 20 a 40 para bem-estar espiritual baixo, 41 a 99 para moderado e 100 a 120 para alto.

A análise dos dados foi realizada por meio de frequências absolutas, média, mediana e desvio padrão. O banco de dados foi digitado na planilha Excel® for Windows 2016 e as análises foram realizadas no Programa Statistical Package for the Social Sciences 20.

A pesquisa foi apreciada pelo Comitê de Ética em Pesquisa, obtendo aprovação com Certificado de Apresentação para Apreciação Ética 30122520.7.0000.5231 e número do parecer nº 3.997.069. Todos os participantes consentiram a participação por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, seguindo a Resolução n° 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.

RESULTADOS

No perfil sociodemográfico dos participantes da pesquisa, 89,4% (n=59) estudantes são do sexo feminino. A religião predominante é católica com 50% (n=33), seguido da evangélica 30,3% (n=20), espírita 1,5% (n=1), 3% (n=2) outras e, 15,2% (n=10) se declararam sem religião. A renda familiar preponderante é de um a três salários-mínimos com 57,6% (n=38) e 33,3% (n=22) declararam de quatro a seis salários-mínimos. A renda individual, 39,4% (n=26) está na faixa de até três salários-mínimos.

Verificou-se na idade dos participantes a média de 24 anos aproximadamente, com desvio padrão 8,8. Quanto aos pais verifica-se que entre as mães 1,5% (n=1) e entre os pais 18,2% (n=12) não possuem nenhuma religião ou crença.

Ao analisar a SSRS, observou-se que a maioria tem em sua vida, as práticas pessoais da religiosidade, nas alternativas das questões sobre o tema, ou seja: 87,8% (n=58) têm pensamentos espirituais; 83,4% (n=55) declararam que se esforçam em viver de acordo com sua crença religiosa; sendo que 80,2% (n=53) apontaram que os pensamentos individuais têm a mesma importância que os praticados durante a celebração que participam; 81,8% (n=54)gostam de ler sobre o tema espiritualidade; 86,4% (n=57) declararam que a espiritualidade ajuda a manter uma vida estável e de bom relacionamento com os demais. Destaca-se que 83,4% (n=55) declararam que se esforçam em viver de acordo com sua crença religiosa e 60,7% (n=40) indicaram que a sua vida está baseada na espiritualidade que possui.

O teste realizado por meio do Alfa de Cronbach das seis questões foi de 0.926, um número significativo demonstrando a confiabilidade do instrumento. Observa-se na escala da espiritualidade em média o score de 22,2 para o grupo (mediana=23,5), sendo que a amplitude variou de 6 a 30. O desvio padrão foi de 6,5, mostrando que este apresenta alta espiritualidade. Quanto maior o valor da soma aproximando-se do score 30, maior a espiritualidade.

A aplicação da EBE objetiva avaliar o bem-estar espiritual geral. Há 10 itens que avaliam o bem-estar religioso (BER) e outros 10 itens avaliam o bem-estar existencial (BEE). As avaliações incluem questões de acreditar em Deus até se sentir realizado e satisfeito com a vida, indicando a verticalidade com o Divino e a horizontalidade da espiritualidade. Ao somar as duas subescalas, se obtém a medida geral de EBE (Tabela 1).

Tabela 1: Resultados da aplicação da escala de bem-estar Espiritual (EBE) - (Spiritual Well-Being Scale), nos graduandos de enfermagem. Paraná, Brasil, 2020

Variáveis

CT*

%

CP*

%

CD*

%

DC*

%

DP*

%

DT*

%

1. Não encontro muita satisfação na oração pessoal com Deus.

13,6

1,5

1,5

6,1

15,2

62,1

2. Não sei quem sou, de onde vim ou para onde vou.

4,5

3,0

4,5

7,6

24,2

56,1

3. Creio que Deus me ama e se preocupa comigo.

80,3

6,1

6,1

1,5

6,1

0

4. Sinto que a vida é uma experiência positiva.

60,6

16,7

16,7

4,5

1,5

0

5. Acredito que Deus é impessoal e não se interessa por minhas situações cotidianas.

10,6

6,1

4,5

6,1

10,6

62,1

6. Sinto-me inquieto quanto ao meu futuro.

18,2

27,3

25,8

9,1

7,6

12,2

7. Tenho uma relação pessoal significativa com Deus.

45,5

24,2

15,2

3,0

0

12,1

8. Sinto-me bastante realizado e satisfeito com a vida.

30,3

39,4

15,2

12,1

3,0

0

9. Não recebo muita força pessoal e apoio de meu Deus.

10,6

1,5

4,5

6,1

16,7

60,6

10. Tenho uma sensação de bem-estar a respeito do rumo que minha vida está tomando.

40,9

28,8

19,7

4,5

3,0

3,0

11. Acredito que Deus se preocupa com meus problemas.

65,2

10,6

9,1

1,5

3,0

10,6

12. Não aprecio muito a vida.

0

4,5

3,0

4,5

16,7

71,2

13. Não tenho uma relação pessoal satisfatória com Deus.

10,6

4,5

7,6

3,0

19,7

54,5

14. Sinto-me bem acerca de meu futuro.

30,3

33,3

21,2

4,5

10,6

0

15. Meu relacionamento com Deus ajuda-me a não me sentir sozinho.

56,1

21,2

6,1

3,0

3,0

10,6

16. Sinto que a vida está cheia de conflito e infelicidade.

3,0

21,2

13,6

19,7

27,3

15,2

17. Sinto-me plenamente realizado quando estou em íntima comunhão com Deus.

54,5

19,7

10,6

1,5

1,5

12,1

18. A vida não tem muito sentido.

9,1

7,6

3,0

9,1

10,6

60,6

19. Minha relação com Deus contribui para minha sensação de bem-estar.

63,6

13,6

6,1

3,0

1,5

12,1

20. Acredito que existe algum verdadeiro propósito para minha vida.

74,2

12,1

3,0

3,0

3,0

4,5

*CT = Concordo Totalmente; CP = Concordo Parcialmente; CD = Concordo mais que discordo; DC = Discordo mais que concordo; DP = Discordo Parcialmente; DT = Discordo Totalmente.

Fonte: Dados da pesquisa (2020).

Como a EBE é composta de duas subescalas BER e BEE, verifica-se que a maior pontuação na subescala BER foi 80,3% (n=53) para concorda totalmente com o item 3 - “creio que Deus me ama e se preocupa comigo”. A menor pontuação foi zero para Discordo Parcialmente para o item 7 - Tenho uma relação pessoal significativa com Deus. Na subescala BEE, a maior pontuação foi de 74,2 % (n=49) para Concordo Totalmente para o item 20 - Acredito que existe algum verdadeiro propósito para minha vida. A menor pontuação foi de zero para o item 14 - Sinto-me bem acerca de meu futuro avaliado com Discordo Totalmente com esta afirmação. O Alfa de Cronbach das vinte questões da EBE foi de 0.928, demonstrando confiabilidade das respostas e consistência interna. O Coeficiente Alfa de Cronbach, de modo geral usado para confiabilidade e consistência interna dos questionários, variam de zero a 1,0 sendo que quanto mais próximo de 1, maior confiabilidade entre os indicadores, sendo excelente > 0,90, bom > 0,80; aceitável > 0,70 e questionável > 0,60.16

Os pontos de corte para o score geral da EBE,8 são 20 a 40 (baixo), 41 a 99 (moderado) e 100 a 120 (alto). Os intervalos são de 10 a 20, 21 a 49 e 50 a 60 pontos para as duas subescalas. Os resultados da EBE são denominados como positivos para score alto e negativos para escores moderado e baixo.8 Quanto ao bem-estar religioso 69,7% (n=46) são classificados com alto bem-estar, 10,6% (n=7) baixo e 19,7% (n=13) apresentaram moderado BER. Para o BEE 37,8% (n=25) apresentaram score alto e 62,2 % (n=41) com score moderado. O score geral da EBE demonstra 54,55% (n=36) dos respondentes com alto score de bem-estar espiritual, classificados como positivo, enquanto 45,45% (n=30) dos respondentes com score moderado e baixo, classificados como negativo conforme demonstra a Tabela 2.

Tabela 2: Comparação dos resultados da EBE, e a Classificação das escalas BER, BEE, aplicadas aos estudantes da graduação em enfermagem. Paraná, Brasil, 2020

Classificação

Score

N=66

%

BER

Alto

46

69,7

Baixo

7

10,6

Moderado

13

19,7

BEE

 

 

 

Alto

25

37,8

Moderado

41

62,2

EBE

Positivo

36

54,55

Negativo

30

45,45

Total Geral

 

66

100,0

Fonte: Dados da pesquisa, 2020.

DISCUSSÃO

O início para a coleta de dados deste estudo estava agendado para março de 2020, quando da aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa. Concomitante se deu o início do período da pandemia da COVID-19. A princípio os dados seriam coletados presencialmente, porém, em março de 2020 as aulas das escolas do município foram suspensas, bem como as atividades profissionais docente com completo lockdown que atingiu todo o país. O momento era de completa incerteza sobre o que viria bem como uma atmosfera de medo e insegurança estava presente. Esta situação permaneceu com a expectativa de retorno às atividades normais, que não aconteceu em meio ao crescente número de casos confirmados da doença e pacientes internados. Em junho de 2020 foi dada continuidade à pesquisa que foi adaptada para a utilização do formulário eletrônico Google forms.

Na análise do perfil sociodemográfico dos participantes da pesquisa, verifica-se 89,4% (n=59) do sexo feminino. Este número se associa a história da enfermagem que atribui a responsabilidade da mulher sobre o cuidado.17 Uma pesquisa com 22 estudantes do quinto ano do curso de Enfermagem de Itajubá, Minas Gerais, apresentou concordância com esse estudo, que a idade foi entre 21 e 25 anos com 77,3%, sendo a maioria do sexo feminino com 95,5%, a religião católica com 72,7%.18

Também evidenciou em outros estudos análogos, que o sexo feminino é maior entre acadêmicos de um curso de Enfermagem com 82%, 85,9%, 91,5%, 79,2% e 78,6%, relatados nos respectivos estudos.19-20 Já a renda individual indica 39,4% (n=26) na faixa de até três salários-mínimos, o que pode se atribuir ao fato de serem ainda estudantes do curso superior e não estarem no mercado de trabalho.

Verificou-se a predominância da religião católica com 50% (n=33) entre os estudantes. Dados esses concordam com o estudo que objetivou investigar saberes de estudantes de medicina sobre espiritualidade e religiosidade em relação ao cuidado com paciente que 58,6% dos estudantes de instituições privadas e públicas pertenciam a mesma religião.20 Já a renda familiar foi de um a três salários-mínimos com 57,6% (n=38) em controvérsia em um estudo que aponta 41,7% com renda familiar mensal de até um salário-mínimo.20

Destaca-se ainda a influência ou crença dos pais em direcionar os filhos visto que 98,5% (n=65) entre as mães e 81,8% (n=54) entre os pais declararam ter uma religião ou crença nos diferentes modos de prática. A religiosidade e espiritualidade esteve historicamente associado à união entre pessoas e famílias buscando preservar e dar continuidade às tradições religiosas.21

Para a realização deste estudo, após buscas na literatura científica optou-se pelas SSRS e EBE considerando a confiabilidade e significância apresentadas em outros estudos,6,8-9,22 bem como elas foram validadas no Brasil e se mostram pertinentes para esta pesquisa por se entender que são suficientes para responder ao objetivo proposto, considerando os construtos delineados pelos instrumentos.

Esta escala reflete a orientação para a espiritualidade do indivíduo, ou seja, refere-se as questões referentes à dimensão espiritual e como há a aplicação em suas vidas.22 É uma amostra que demonstra afinidade com a temática da religiosidade e espiritualidade onde 81,8% (n=54) gostam de ler sobre o assunto, contudo o instrumento não permite identificar o tipo de leitura (Bíblia, história de santos, outros), entretanto aponta para abertura deste tema que pode ser explorado por meio de artigos científicos.

A EBE apontou neste estudo a consistência interna medida pelo coeficiente alfa de Cronbach de 0,92 para a EBE; 0,92 também para o fator 1, bem-estar religioso; e 0,85 para o fator 2, bem-estar existencial. Esses números revelam uma alta fidedignidade da escala. Outros autores13,23 concordaram que a escala é válida e nas suas análises encontraram dois fatores sendo o primeiro o BER e o segundo o BEE.

Ao ser verificada a orientação espiritual por meio da SSRS, ou seja, importância para a dimensão espiritual, pode-se confirmar através de dados da EBE seu score de bem-estar religioso e espiritual atual. Vale ressaltar que esta pontuação pode ser alterada, podendo aumentar ou diminuir dependendo do momento de vida e desenvolvimento espiritual, sendo este de caráter dinâmico e não estático.

Nota-se que o grupo apresentou alto score de espiritualidade, apontando influência da religiosidade. Estes scores são complementados e confirmados pela EBE, sendo 69,7 (n=46) alto para BER e 39,4% (n=26) alto para BEE, confirmando os achados na SSRS. Observa-se que questões com referência à Deus são pontuadas na BER com índices acima de 45,5% atingindo pontuação máxima de 80,3% para a afirmação que acredita no amor e preocupação pessoal de Deus, convergindo para o fato de que o Brasil seja um país religioso e heterogêneo.21

Um estudo com relação à R/E encontraram o resultado de que 96,2% dos enfermeiros acreditam que praticar alguma religião pode contribuir para seu bem-estar espiritual; 96,2% acham que a espiritualidade pode ajudar na assistência prestada ao paciente; 88,5% entendem que existe diferença entre espiritualidade e religiosidade e 53,8% informam não ter sido abordado este tema durante a graduação. Além de que, 96,2% dos enfermeiros afirmam que acreditam que a prática da religião tem influência para seu próprio bem-estar espiritual. Estes dados refletem os resultados da aplicação das escalas entre os estudantes deste estudo.10

Autores24 que utilizaram a SSRS com os estudantes de medicina responderam positivamente com 91,8% onde a maioria dos participantes considerou a R/E uma forte influência na saúde humana com 59,2%. O score de orientação espiritual obtido foi de 21,29 ± 5,54, sendo, 53,8% da religião católicas. Na subescala de BEE, o item 20 demonstra que 74,2% dos estudantes acreditam que existe algum verdadeiro propósito para suas vidas, associado a sensação de bem-estar com o rumo que a vida está tomando e se sentem bem com o futuro demonstrando otimismo e expectativa positiva em relação ao futuro. Em outro estudo, os estudantes no decorrer da graduação, após uma leitura aprofundada e reflexões da temática, afirmaram que a espiritualidade é necessária para a formação porque proporciona cuidado amplo, terapêutico e paliativo para a melhora dos quadros clínicos.11

Estudo que objetivou analisar a produção científica nacional sobre a percepção dos estudantes acerca da R/E no ensino e na assistência de Enfermagem, mostrou que o bem-estar espiritual e religioso possuem benefícios físicos, psicológicos e espirituais, o que pode ser transformador quando se busca um cuidado humanizado. Além das contribuições para sentimentos negativos que geram sofrimento emocional, sendo de extrema necessidade essa abordagem na temática curricular de enfermagem e nas ementas das disciplinas da graduação em Enfermagem. Por fim, a religiosidade e espiritualidade são instrumentos de cuidado com benefícios ao paciente que merecem maior visibilidade no âmbito da prática dos profissionais de saúde.25

Identifica-se nas respostas da Tabela 2 - EBE, informações que demonstram as diferenças de crenças, atitudes e pensamentos, onde 60,6% (n=40) discorda totalmente que a vida não tem muito sentido (item 18), entretanto, 9,1% (n=6) concorda totalmente com esta afirmação. Associado ao fato que 74,2% (n=49) acredita que existe algum verdadeiro propósito para a vida (item 20), 4,5% (n=3) discorda totalmente, entretanto 80,3% (n=53) crê em Deus (item 3) e 45,5% (n=30) possui uma relação pessoal significativa com Deus (item 7). Esta pontuação permeia por conceitos e entendimentos individuais onde religião, religiosidade e espiritualidade se apresentam correlacionadas entre os estudantes podendo ser tema de reflexão em espaços de formação acadêmica.

Uma investigação com estudantes de graduação de enfermagem quanto a percepção do atendimento espiritual e a maioria dos alunos não percebeu esta dimensão. Nesse mesmo estudo realizado pelo mesmo autor, feito com docentes de enfermagem sobre a espiritualidade e a assistência espiritual no ensino de graduação, foi constatada a falta de clareza na enfermagem sobre conceitos de espiritualidade, assistência espiritual e religiosidade.7

Identifica-se barreiras para a abordagem espiritual como medo de impor as suas crenças e a falta de tempo são comumente relatados e interferem diretamente no atendimento de enfermagem. Além disso, conceitos claros e aplicabilidade dos termos de R/E na graduação e na prática clínica é uma lacuna no cenário atual. Destaca-se a necessidade de inclusão dessa disciplina nas grades curriculares, tanto de modo teórico como clínico, inserindo durante a anamnese de enfermagem o padrão de espiritualidade descrito pela Associação Norte Americana de Diagnósticos de Enfermagem (NANDA - I),12 em que se encontram descritos bem-estar espiritual, religiosidade e sofrimento espiritual.10 Dessa maneira, os futuros enfermeiros podem se empoderar da temática em estudo e comecem enquanto instigados, a aplicar os aspectos espirituais e religiosos no cuidado e na assistência humanizada 26 e valorizar a R/E nesse sentido.25

Podemos verificar que no presente estudo a maioria dos estudantes tem em sua vida e nas suas práticas pessoais uma grande influência da religiosidade, contudo o resultado da EBE mostrou 54,55% (n=36) score positivo e 45,45% (n=30) com score negativo. Estudo7 realizado em uma unidade hospitalar semi-intensiva de oncologia com 33 enfermeiros observou que 76,6% apresentaram scores positivos na EBE, sendo 76,6% positivo para o BER e para o BEE apontou 80% positivo, demosntrando inversão nos achados da presente pesquisa, onde o bem-estar religioso foi superior ao bem-estar existencial.

Os dados obtidos por este estudo permitiram conhecer características sociodemográficas dos estudantes investigados e evidenciou a religiosidade e espiritualidade presente e satisfatória dentre os estudantes participantes, o que aponta o cumprimento do objetivo proposto. Reforça-se, portanto, que as instituições sustentem essa temática visto que a espiritualidade vai além da religião. Mesmo não estando ligado à um rito religioso, se faz necessário desenvolver e acessar esta dimensão que habita cada ser humano, estudantes e formadores, para ao lidar com pacientes poder apoiar de maneira integral. Criar espaços protegidos para refletir sobre a espiritualidade durante a formação em enfermagem é recomendável e irá suscitar o desenvolvimento de práticas de silenciamento interior, contribuindo com o self.

CONCLUSÃO

Observou-se que os estudantes do estudo apresentaram pensamentos espirituais, esforçam-se em viver de acordo com sua crença religiosa, possuem alto score para bem-estar espiritual, religioso e bem-estar existencial. Ressalta-se que embora uma limitação do estudo seja considerada a coleta em meio aos tempos de pandemia da COVID-19 que acabou por interferir no número de estudantes do estudo reduzindo o quantitativo de respondentes. Este fato se deve por estes estudantes estarem dispersos, muitos formados precocemente e inseridos no mercado de trabalho ou em isolamento social, o que prejudicou fortemente nosso contato e participação no estudo. Contudo indica viabilizar o avanço da pesquisa em fases inéditas bem como torná-la uma ferramenta mediadora de outros estudos com amostragem maior.

Sugere pesquisas mais abrangentes, para que um perfil mais amplo de estudantes de enfermagem seja caracterizado, podendo ser utilizado como estratégia para desenvolver o sentido de espiritualidade e favorecer a sua aplicabilidade na graduação de enfermagem e percurso após conclusão de curso.

Recomenda práticas pedagógicas com estratégias de ensino e aprendizagem construtivistas na grade curricular utilizando o arsenal científico já publicado com abordagem das dimensões humanas de maneira holística. O conhecimento inicial das diferentes religiões e suas premissas contribuem para desmistificar o tema e a ampliação do olhar para a espiritualidade existente em cada religião. Ofertas de vivências de desenvolvimento da espiritualidade poderão ser estratégicas para estudantes de enfermagem por meio de grupo de extensão ou grupos de pesquisa, a fim de ressignificar a aprendizagem. Tais possibilidades são factíveis e apoiarão a formação também holística do futuro enfermeiro, permitindo a ampliação da visão do modelo biomédico.

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Recebido em: 05/09/2021

Aceito em: 12/05/2022

Publicado em: 19/05/2022



[1] Universidade Estadual de Londrina (UEL). Londrina, Paraná (PR). Brasil (BR). E-mail: soniahutulsilva@gmail.com ORCID: 0000-0001-7258-5149

[2] Universidade Estadual de Londrina (UEL). Londrina, Paraná (PR). Brasil (BR). E-mail: eleinemartins@gmail.com ORCID: 0000-0001-6649-9340

 

Como citar: Silva SH, Martins EAP. Avaliação da espiritualidade e do bem-estar espiritual em estudantes da graduação de enfermagem. J. nurs. health. 2022;12(1):e2212121081. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/enfermagem/article/view/21081





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