REVISÃO INTEGRATIVA

Família, tomada de decisão e apoio dos profissionais nas unidades de terapia intensiva: revisão integrativa

Family, decision-making and support of professionals in intensive care units: an integrative review

Familia, toma de decisiones y apoyo de profesionales en unidades de cuidados intensivos: revisión integradora

Neves, Josiele de Lima;[1] Schwartz, Eda;[2] Spagnolo, Lílian Moura de Lima;[3] Lise, Fernanda;[4] Bazzan, Jéssica Stragliotto[5]

RESUMO

Objetivo: analisar a produção científica sobre as condutas de apoio dos profissionais às famílias e a participação destas no processo de tomada de decisão diante da internação de um dos seus integrantes. Método: revisão integrativa nas bases Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde, Medical Literature Analysis and Retrieval System Online e COCHRANE com os descritores: Intensive Care Units, Decision making, Family e Personal Satisfaction entre 2015 e 2019. Resultados: foram selecionados 17 artigos em três categorias: “aspectos relacionados com o apoio dos profissionais à família”; “Voz dos familiares como tomadores de decisões”; e “Estresse pós-traumático do familiar ao tomar decisões difíceis”. Conclusão: evidenciou-se a importância do apoio dos profissionais por meio de comunicação clara e honesta, valorizando a família como participantes do cuidado no processo de tomadas de decisões na Unidade de Terapia Intensiva.

Descritores: Enfermagem; Família; Unidades de terapia intensiva; Satisfação pessoal; Tomada de decisões

ABSTRACT

Objective: to analyze the scientific production on support behaviors of professionals to families and their participation in the decision-making process before the hospitalization of one of their members. Method: integrative review in the Latin American and Caribbean bases in Health Sciences, Medical Literature Analysis and Retrieval System Online and COCHRANE with the descriptors: Intensive Care Units, Decision making, Family, Personal Satisfaction between 2015 and 2019. Results: 17 articles were selected in three categories: "Aspects related to the support of professionals to the family"; "Voice of family members as decision makers"; and "Post-traumatic stress of the family member when making difficult decisions". Conclusion: the importance of support from professionals through clear and honest communication was evidenced, valuing the family as participants in the process of decision-making in the Intensive Care Unit.

Descriptors: Nursing; Family; Intensive care units; Personal satisfaction; Decision making

RESUMEN

Objetivo: analizar la producción científica sobre las conductas de apoyo de los profesionales a las familias y su participación en la toma de decisiones cuando se hospitaliza a uno de sus miembros. Método: revisión integradora en las bases latinoamericanas y caribeñas en Ciencias de la Salud, Análisis de la Literatura Médica y Sistema de Retrieval Online y COCHRANE con los descriptores: Unidades de Cuidados Intensivos, Toma de Decisiones, Familia, Satisfacción Personal entre 2015 y 2019. Resultados: Se seleccionaron 17 artículos en tres categorías: "Aspectos relacionados con el apoyo de los profesionales a la familia"; "Voz de los familiares como tomadores de decisiones"; y "Estrés postraumático del familiar al tomar decisiones difíciles". Conclusión: se evidenció la importancia del apoyo de los profesionales a través de una comunicación clara y honesta, valorando a la familia como partícipe del cuidado en el proceso de toma de decisiones en la Unidad de Cuidados Intensivos.

Descriptores: Enfermería; Familia; Unidades de cuidados intensivos; Satisfacción personal; Tomada de decisiones

INTRODUÇÃO

Na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), os profissionais costumam tomar decisões com o amparo da ciência, utilizam os conhecimentos adquiridos ao longo da prática intensivista ou por meio das experiências, com isso, para executar o cuidado humanizado e integral ao paciente e sua família, os profissionais da UTI necessitam de se adaptar a esta realidade, integrando tecnologias relacionadas com equipamentos e medicamentos essenciais para o desenvolvimento do trabalho.1

Baseadas em nossas práticas, observou-se que no passado a medicina liderava os principais tomadores de decisões, contudo, com o avanço científico, os conhecimentos e competências dos demais profissionais que compõem a equipe interdisciplinar, tais como enfermeiros e fisioterapeutas, passaram a ser mais respeitados, tornando o processo de tomada de decisões compartilhado e conectado.

A tomada de decisão compartilhada é um processo colaborativo que permite que as decisões de saúde sejam feitas entre pacientes e/ou familiares e médicos, levando-se em consideração os valores e preferências do paciente, ao mesmo tempo que usa as melhores evidências científicas disponíveis para fazer recomendações.2 Mas, e quando o paciente está em estado crítico e sem condições de interagir com a equipe? É neste contexto que os familiares são fundamentais para apoiar a equipe de saúde, pois são os que melhor conhecem os hábitos, valores e crenças do familiar sob seus cuidados. Nesse sentido, apoiar a família e advogar pelo seu direito de inserção e participação nos cuidados, e consequentemente, melhorar a avaliação da atenção continua sendo o maior desafio enfrentado pelas equipes de saúde de UTI.

Para melhorar as práticas com famílias, faz-se necessário conhecer as melhores estratégias, as quais podem ser utilizadas para promover a aproximação dos profissionais com os familiares de pacientes internados na UTI e serem benéficas no processo de tomada de decisão desses.3 Assim como as oportunidades oferecidas às famílias para expor suas preferências, competências e forças, que contribuirão para que estas se sintam integradas ao ambiente e à equipe, a fim de melhorar a avaliação da qualidade da atenção oferecida.4

Dessa forma, esse estudo objetivou analisar a produção científica sobre as condutas de apoio dos profissionais às famílias e a participação destas no processo de tomada de decisão diante da internação de um dos seus integrantes.

MÉTODO

Recorreu-se à revisão integrativa da literatura que apresenta entre seus aspectos a possibilidade de síntese e análise do conhecimento científico produzido sobre o tema investigado, além de identificar lacunas ainda não vistas que precisam ser aprimoradas com a realização de novos estudos, contribuindo significativamente para a prática clínica.5

O estudo foi realizado de acordo com seis etapas preconizadas, sendo elas: 1.ª Etapa: elaboração da pergunta de pesquisa; 2.ª Etapa: seleção dos estudos primários; 3.ª Etapa: identificação das características do estudo e extração dos dados; 4.ª Etapa: avaliação dos estudos primários; 5.ª Etapa: análise e interpretação dos resultados e 6.ª Etapa: apresentação da revisão.5

Para a primeira etapa, utilizou-se o acrônimo PICo (P- Paciente, Problema ou Grupo; I- Fenômeno de interesse; Co- Contexto).6 Neste estudo, utilizaram-se os seguintes significados: P – condutas adotadas pelos profissionais da UTI para inserir a família; I – Estratégias utilizadas; C- Contexto, mundial; e O – instrumentos ou condutas realizadas por profissionais que resultem em uma aproximação da família do processo de internação do paciente na UTI, sendo considerada a seguinte questão norteadora: Quais as condutas adotadas pelos profissionais para inserir e apoiar a família no processo de tomada de decisão e de sua internação na unidade de terapia intensiva?

O levantamento bibliográfico foi realizado em fevereiro de 2020 e a busca ocorreu com base na consulta prévia dos descritores nos dicionários Medical Subject Headings (MeSH) e Descritores em Ciências da Saúde (DeCS). Determinou-se como descritor para a busca nas bases de dados eletrônicas: Intensive Care Units, Decision making, Family e, por último, Personal Satisfaction, sendo utilizado o operador boleano “and”, formando-se a estratégia de busca da seguinte forma: Intensive Care Units AND Decision making AND Family AND Personal Satisfaction nas bases de dados: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Pubmed e CROCHRANE.

Para constituir a amostra dos estudos selecionados na presente revisão integrativa, foram estabelecidos como critérios de inclusão: artigos publicados entre 2015 e 2019, cujo recorte temporal justifica-se por ser um período que antecedeu à pandemia pelo novo coronavírus, logo, poderiam ser encontradas publicações relacionadas com a participação da família no contexto da UTI; estudos em inglês, português ou espanhol; disponíveis na íntegra ou obtidos por meio de comutação na instituição de ensino, no intuito de evitar que estudos elegíveis fossem perdidos, o que resultaria em viés de seleção. Foram excluídos os estudos realizados em UTI pediátrica e sobre final de vida na UTI assim como os estudos indexados repetidamente.

Na fase de seleção, foram revisados 104 estudos e, ao averiguar a consonância com os critérios de inclusão e exclusão, 87 estudos foram excluídos por não atenderem o objetivo estudado, um deles por estar duplicado, restando 17 artigos que foram selecionados para compor o estudo de revisão. A Figura 1 demonstra o processo de identificação e seleção dos resultados, que seguiu as recomendações do Preferred Reporting Items for Sistematic Reviews and Meta Analyses (PRISMA).7

Figura 1: Processo de identificação e seleção dos artigos incluídos na análise final.

Fonte: elaborado pelos autores como recomendado pelo PRISMA.

Os estudos foram classificados quanto à abordagem, delineamento e em relação ao Nível de Evidência (NE). Para a classificação dos NE foi empregada a categorização que avalia a hierarquia dos estudos em níveis que variam de I a VII: Nível I – meta-análise ou revisões sistemáticas; Nível II – ensaio clínico randomizado controlado; Nível III – ensaio clínico sem randomização; Nível IV – estudos de coorte e de caso-controle; Nível V – revisões sistemáticas de estudos descritivos e qualitativos; Nível VI – estudos descritivos ou qualitativos; e Nível VII – opinião de especialistas (Quadro 1).8

Quadro 1: Caracterização dos estudos em relação à abordagem, delineamento e nível de evidência

Autores

Abordagem

Delineamento

NE*

Observacional

Experimental

Havenon A, Petersen C, Tanana M, Wold J, Hoesch R.9

Quantitativo

 

Estudo piloto prospectivo, não cego e não randomizado

III

White DB, Angus DC, Shields AM, Buddadhumaruk P, Pidro C, Paner C, et al.10

Quantitativo

 

Estudo clínico randomizado em cluster

II

Torke AM, Wocial LD, Johns SA, Sachs GA, Callahan CM, Bosslet GT, et al.11

Quantitativo

 

Estudo piloto randomizado

II

Prigerson HG, Viola M, Brewin CR, Cox C, Ouyang D, Rogers M, et al.12

Quantitativo

 

Ensaio clínico randomizado controlado

II

Seaman JB, Arnold RM, Scheunemann LP, White DB.13

Qualitativo

Descritivo

 

VI

Frivold G, Dale B, Slettebø Å.14

Qualitativo

Descritivo

 

VI

Cunningham TV, Scheunemann LP, Arnold RM, White D.15

Qualitativo

Descritivo

 

VI

Kalocsai C, Amaral A, Piquette D, Walter G, Dev SP, Taylor P, et al.16

Qualitativo

Descritivo

 

VI

Wilson ME, Kaur S, Moraes AG, Pickering BW, Gajic O, Herasevich V.17

Qualitativo

Descritivo

 

VI

Nelson JE, Hanson LC, Keller KL, Carson SS, Cox CE, Tulsky JA, et al.18

Qualitativo

Descritivo

 

VI

Au SS, Ordons AR, Soo A, Guienguere S, Stelfox HT.19

Qualitativo

Descritivo

 

VI

Au SS, Ordons ALR, Leigh JP, Soo A, Guienguere S, Bagshaw SM, et al.20

Qualitativo

Descritivo

 

VI

Nicoli F, Cummins P, Raho JA, Porz R, Minoja G, Picozzi M.21

Qualitativo

Descritivo

 

VI

Petrinec AB, Martin BR.22

Quantitativo

 

Descritivo, longitudinal e prospectivo

IV

Miller JJ, Morris P, Files DC, Gower E, Young M.23

Qualitativo

Retrospectivo

 

VI

Petrinec AB, Mazanec PM, Burant CJ, Hoffer A, Daly BJ.24

Quantitativo

Longitudinal, descritivo e correlacional

 

IV

Butler JM, Hirshberg EL, Hopkins RO, Wilson EL, Orme JF, Beesley SJ, et al.25

Quantitativo

Descritivo

 

III

*Nível de Evidência

Fonte: elaborado pelos autores, 2021.

Depois da seleção dos artigos, foi realizada a leitura na íntegra com análise criteriosa desses e com o propósito de selecionar os que contribuíam para responder à questão norteadora. Para a análise e interpretação minuciosa dos estudos selecionados, elaborou-se um formulário contendo dados sobre os artigos: título; autoria; país do estudo; revista de publicação; ano; objetivos; método; características da amostra; resultados e conclusões. Na perspectiva de minimizar os vieses, a extração dos dados foi realizada por dois revisores de forma independente, e a resolução das discordâncias ocorreu na presença de um terceiro avaliador.

Em relação aos preceitos éticos, houve justiça, integridade, imparcialidade e respeito aos autores originais das publicações que compuseram este estudo para, assim, realizar o tratamento dos dados bibliográficos.

Após a análise, os dados foram sintetizados para a apresentação dos resultados dos 17 estudos, os quais foram agrupados em três categorias temáticas para a discussão: 1) Aspectos relacionados com o apoio dos profissionais à família; 2) Voz dos familiares como tomadores de decisões e; 3) Estresse pós-traumático do familiar ao tomar decisões difíceis. A descrição dos temas foi apresentada com o nível de evidência precedida da caracterização dos estudos.

RESULTADOS

Características dos estudos

Dos 17 estudos, majoritariamente foram realizados nos Estados Unidos da América 58,8% (n=10);9-13,15,17,18,23,25 seguido do Canadá com 17,7% (n=3);16,19-20 França com 11,7% (n=2);22,24 Noruega14 e Itália21 com 5,9% (n=1) cada um.

Em relação ao perfil dos profissionais que participaram das publicações, destacaram-se as publicações médicas com 64,7% (n=11),9,13,15-21,23,25 publicações de enfermeiros que representaram 17,7% (n=3)14,22,24 e aquelas compostas de equipes interdisciplinares com a participação de médicos, enfermeiros, assistentes sociais e psicólogos com 17,7% (n=3).10-12

Na classificação do NE8 apresentado no Quadro 1, pode-se observar que na três, corresponderam ao Nível II; dois, ao Nível III; dois, ao Nível IV e; dez, ao Nível VI.

Quanto às categorias organizadas para a avaliação dos resultados, 47,1% (n=8)9-16 trataram sobre os aspectos relacionados com o apoio dos profissionais à família; 29,4% (n=5)17-21 sobre a voz dos familiares como tomadores de decisões; e 23,5% (n=4)22-25 abordaram o estresse pós-traumático do familiar ao tomar decisões difíceis.

Aspectos relacionados com o apoio dos profissionais à família

A comunicação foi o destaque no auxílio à família de pacientes norte-americanos que se encontravam na unidade de terapia intensiva, considerada um centro de apoio da equipe, com capacidade de determinar o resultado desejado para pacientes que geralmente são incapazes de se comunicar. Tendo em vista ser considerada uma limitação comum a ausência de familiares devido às restrições geográficas, o estudo utilizou tecnologia audiovisual como conferência e videoconferência para facilitar a comunicação do médico com os outros membros da família e amigos (NEIII).9

Um estudo randomizado, realizado em cinco UTIs, nos Estados Unidos com pacientes neurocríticos e com alto risco de morte, incluindo a de seus familiares, comparou uma intervenção de apoio à família realizada pela equipe interdisciplinar da UTI com cuidados usuais. A intervenção foi fundamentada na teoria da decisão, como hipótese principal de que a intervenção diminuiria a carga de sintomas psicológicos em longo prazo, melhoraria a qualidade da tomada de decisão e da comunicação médico-família e, ainda diminuiria a duração do tratamento intensivo entre os pacientes que não sobrevivessem. Identificou-se que o grupo de intervenção apresentou resultados positivos por meio da Escala da Qualidade da Comunicação (QOC) assim como menor tempo médio de permanência na UTI (NEII).10

Nesta conjuntura, com o objetivo de atender às necessidades da família, não supridas na admissão na UTI, foi realizado um estudo-piloto randomizado com 26 familiares para fornecer qualidade na comunicação com a família considerando duas dimensões principais: da informação e do amparo emocional. Tinham como meta estabelecer comunicação com os familiares em 90% dos dias da semana. Com base nos resultados obtidos, evidenciou-se que os familiares recomendaram este tipo de abordagem, e destacou a atuação de enfermeiras integradas neste modelo, pois demonstraram competência para facilitar a tomada de decisão da família (NEII).11

Em consonância com esses achados, pesquisadores preocupados com a saúde mental dos familiares tomadores de decisões propõem um ensaio clínico randomizado controlado com uma nova intervenção cognitivo-comportamental, o método Empower, utilizado para avaliar o estresse peritraumático e melhorar os resultados de pacientes e cuidadores no cenário de doenças críticas. Com base na aplicação deste método, foi possível aprimorar e mobilizar o potencial de bem-estar e resiliência emocional entre tomadores de decisão substitutos de pacientes de UTI, ou seja, o familiar (NEII).12

Com o objetivo de compreender as funções dos principais meios de comunicação com a família, pesquisadores idealizaram uma plataforma de comunicação que abrangeu cinco objetivos: estabelecer um relacionamento de confiança; fornecer apoio emocional às famílias; ajudar as famílias a entender as opções de diagnóstico, prognóstico e tratamento; permitir que os médicos compreendam o paciente como pessoa e; criar condições para uma deliberação cuidadosa sobre decisões difíceis. Assim, com o uso dessa plataforma propõe-se uma comunicação sistematizada, respeitando a fase em que o familiar se encontra para, aos poucos, envolver a família nos rounds – discussões dos profissionais sobre o quadro diário do paciente, das metas e formulação de um plano de tratamento, até mesmo nos planejamentos (NEVI).13

Baseado no método hermenêutico, um estudo norueguês objetivou esclarecer o significado do cuidado de enfermeiros e médicos para familiares em UTI; na entrevista com treze familiares de pacientes críticos, foi possível compreender que a família desempenha distintos papéis: de receptor, o qual implica experiências de cuidados informativos e de apoio de enfermeiros e médicos e; o de participante, que implica a experiência dos familiares de se sentirem incluídos e de poderem participar de atividades de cuidado e processos de tomada de decisão. Com isso, o estudo salientou as qualidades das relações com cuidados informacionais e de suporte, os quais são fundamentais para que a família confie e permaneça com sentimentos de gratidão ao sistema de saúde (NEVI).14

Um estudo buscou compreender como os médicos auxiliavam as famílias norte-americanas a tomarem decisões. Foram realizadas 73 conferências, nas quais os médicos antecipavam a discussão dos objetivos de atendimento a pacientes incapacitados e com alto risco de morte. Observaram-se três tipos gerais de orientação: aconselhar sobre um ou mais princípios padrão do familiar tomador de decisão (24% das conferências); aconselhar familiares a tomar decisões centradas no paciente como pessoa, sem especificar como realizariam isso (14% das conferências); e aconselhamento de substitutos para tomar decisões com base nos valores da família (8% das conferências). O estudo apontou que os médicos não ofereciam informações normativas para os tomadores de decisão, consequentemente, estas foram destacadas como orientações e informações incompletas (NEVI).15

As principais intervenções realizadas pelos profissionais intensivistas para apoiar e aproximar a família durante o processo de internação na UTI estão descritas no Quadro 2.

Quadro 2 – Medidas para apoiar a família durante a internação na UTI

Medidas para incentivar a comunicação

Médicos.9

Reuniões por videoconferência

Enfermeiros e médicos.10

Treinamento em comunicação para a equipe da UTI; ensino didático, modelagem das práticas das habilidades; reuniões diárias com o enfermeiro e reuniões médico-família dentro de 48 horas e a cada 5 a 7 dias; apoio à implementação por um especialista em melhoria da qualidade

Assistente Social, Enfermeiro, Médico.11

Qualificar a comunicação com a família considerando duas dimensões principais: informação e apoio emocional

Assistente social, Médicos e psicólogos.12

Método Empower para aprimorar e mobilizar o potencial de bem-estar e resiliência emocional entre tomadores de decisão

Médicos.13

Proposta de um modelo para integrar diferentes plataformas de comunicação

Enfermeira.14

Esclarecer à família o significado de cuidar de enfermeiros e médicos em Unidades de Terapia Intensiva

Médicos.15

Conferência para orientar na tomada de decisão

Medidas para dar voz aos familiares

Médicos.16

Incentivar os familiares a participar dos rounds

Médicos.17

Conhecer as necessidades da família

Médicos.18

Estabelecer troca de informações

Médicos.19

Escutar as percepções dos familiares

Médicos.20

Descrever a percepção do familiar sobre os rounds

Médicos.21

Consultar o familiar sobre as vontades do paciente

Medidas para apoiar e avaliar o estresse pós-traumático

Enfermeiros.22

Pesquisa de avaliação do estresse

Médicos.23

Pesquisa sobre conflito de decisão

Enfermeiros.24

Pesquisa para avaliar tomada de decisão

Médicos.25

Pesquisa para avaliar a personalidade, o estresse, a tomada de decisão e o suporte social

Fonte: elaborado pelos autores, 2021.

Voz dos familiares como tomadores de decisões

Para contribuir para o fortalecimento da família como tomadores de decisão, um estudo realizado por médicos e enfermeiros canadenses utilizou o referencial teórico denominado Aliança Terapêutica para melhorar o relacionamento com a família e promover a comunicação, integração, colaboração e capacitação dos membros. Os familiares perceberam que os médicos foram os que mais colaboraram para a sua capacitação para a tomada de decisões, já que incentivaram a participação nos rounds, o que promoveu satisfação pela oportunidade de conhecer o que estava acontecendo com o familiar para a melhor tomada de decisão em relação aos cuidados. Por outro lado, também referiram que o fato de participarem dos rounds interdisciplinares não contribuiu para que estes se sentissem integrados aos cuidados. Os familiares revelaram as barreiras e oportunidades perdidas pelos médicos para integração informal a esses, o que dificultou a integração positiva entre prestadores de cuidados e família assim como o preparo para a tomada de decisões (NEVI).16

Considerando a necessidade de conhecer a família, os norte-americanos realizaram um estudo qualitativo, a fim de identificar as informações importantes para que os clínicos conheçam as famílias ao tomarem decisões. As informações identificadas poderão ser usadas para orientar as estratégias e servir como ferramentas para melhorar a qualidade da atenção bem como promover a comunicação com as famílias (NEVI).17

Um estudo clínico randomizado realizado nos Estados Unidos revelou que quando a equipe médica provê informações sobre o quadro clínico, os familiares responsáveis reagem com receptividade, reflexão, emoção e entendem seu papel de substituto para as decisões a serem tomadas. É importante que os profissionais de saúde entendam de que forma pode ocorrer essa reação, para melhorar seu atendimento, apoio e intervenção (NEII).18

Um estudo canadense realizou, em quatro unidades, uma pesquisa com abordagem quantitativa para descrever experiências, preferências e percepções da participação da família e comparar as perspectivas dos profissionais. Por meio de uma escala Likert, foi possível destacar que os familiares se sentiram bem-vindos, respeitados e incluídos (NEVI).19

Ainda sobre os rounds, um estudo observacional multicêntrico, realizado no Canadá, descreveu sobre a participação dos familiares nos rounds, nos quais os provedores permitiam receber até dois familiares; as famílias referiram que não se sentiriam ofendidas caso fosse necessário que apenas um membro precisasse atuar como representante em decorrência de limitações do espaço físico. Quanto à localização, a maioria dos provedores preferiu que os encontros acontecessem fora do quarto quando os pacientes estivessem acordados e, no leito, quando inconsciente. Já as famílias apresentaram preferência oposta para ambas as situações. Em relação ao processo, os médicos referiram convidar os familiares para a rodada, apresentar a equipe e o que foi discutido em rodadas anteriores sem termos técnicos, e a oportunidade de fazer perguntas, e as famílias referiram preferir fazer perguntas ao final da rodada (NEVI).20

Na Itália, para entender até que ponto o tratamento seria proporcional ao desejo do paciente, foi analisado um determinado caso, em que o familiar expressou a voz do paciente, apresentando a vontade de não receber intervenções de manutenção de vida, consideradas fúteis pelo paciente. Diante desse dilema ético, a equipe composta de médicos e enfermeiros, por acreditar que a terapia de manutenção de vida era clinicamente indicada, solicitou, no terceiro dia de hospitalização, o apoio de consultores de um centro de ética para saber como proceder nesse caso (NEVI).21

Estresse pós-traumático do familiar ao tomar decisões difíceis

Para sinalizar as indicações da síndrome de cuidados intensivos, estratégias de enfrentamento e qualidade de vida relacionada com a saúde entre os tomadores de decisão da família durante e após a hospitalização prolongada dos pacientes, um estudo descritivo, longitudinal, prospectivo e realizado na França, utilizou o instrumento Short Form-36 para mensurar a qualidade de vida relacionada com a saúde em 30 familiares no momento da admissão, 30 e 60 dias após a internação. O enfrentamento, focado no problema, foi a estratégia mais utilizada, e identificou-se uma prevalência significativa de indicações da síndrome (NEIV).22

Em um estudo qualitativo prospectivo, utilizou-se uma Escala de Conflitos de Decisão - Decision Conflict Scale (DCS) com 42 familiares de pacientes norte-americanos. A maioria referiu ter sido responsável pela tomada de decisão em nome de seu familiar gravemente enfermo e apresentou baixos níveis de arrependimento decisional. Um conflito mais decisivo foi evidenciado naqueles substitutos que enfrentam decisões de final de vida, especificamente no subconjunto de perguntas que lidam com a incerteza (NEVI).23

As estratégias de enfrentamento utilizadas pelos tomadores de decisão foram avaliadas em um estudo quantitativo com 176 franceses. Para tanto, foram utilizados os instrumentos Brief COPE para identificar como o familiar costuma manejar as situações estressantes de uma maneira habitual e a Escala de Impacto de Evento - Events Scale-Revised (IES). Nesse, evidenciou-se que o uso da estratégia de enfrentamento é um preditor significativo da gravidade dos sintomas de estresse pós-traumático em tomadores de decisão familiares, 60 dias após a internação (NEIV).24

Considerando a UTI como um ambiente estressante e o risco de o familiar desenvolver morbidade psicológica persistente, um estudo quantitativo desenvolvido nos Estados Unidos utilizou vários instrumentos para avaliar as dimensões da personalidade, o enfrentamento do estresse, as preferências compartilhadas de tomada de decisão, o suporte social, além de uma experiência simulada de tomada de decisão. Dessa forma, conseguiram identificar distintos perfis de familiares, fato que reforçou a necessidade de adaptar a comunicação e o suporte conforme o perfil de enfrentamento, o que pode representar um caminho importante para melhorar a experiência na UTI para pacientes e familiares (NEIII).25

DISCUSSÃO

Ao analisar as publicações referentes às condutas de apoio dos profissionais e a participação da família no processo de tomada de decisão durante a internação na unidade de terapia intensiva, identificou-se uma diversidade de informações sobre a temática. Dentre os estudos que objetivaram expor os aspectos relacionados com o apoio dos profissionais à família, categoria com maior número de estudos, observou-se uma variedade de estratégias adotadas pelos profissionais, o que comprova um empenho dos profissionais em se aproximar da família.

Reuniões produtivas com os familiares podem diminuir o luto e facilitar decisões relativas ao status quo, consulta sobre cuidados paliativos, ventilação mecânica e diálise.9 Neste cenário, a comunicação efetiva e de qualidade interfere nas decisões dos familiares, por consequência, também afeta o resultado.9 Estudos14-15 apontam a preocupação de enfermeiros e médicos com a qualidade da comunicação. Sobretudo,9 valorizar esta prática, mesmo que seja por meio de videoconferência, dinamiza o processo de tomada de decisões, deixa a família mais confiante na equipe interdisciplinar e a torna participativa nas condutas, principalmente, quando a gravidade do estado de saúde do paciente o impede de expor suas vontades.

Os mecanismos de apoio aos familiares foram propostos majoritariamente por médicos, o que evidencia uma preocupação desses profissionais em comunicar com qualidade. A comunicação interfere na qualidade das decisões tomadas pela família, pois auxilia no enfrentamento do luto, visto que ameniza os sintomas psicológicos em longo prazo.9-10 A situação relacionada com o fato de os familiares terem acesso à informação contribui efetivamente para que eles se sintam amparados e permaneçam confiando nos profissionais;11,14 estratégias como envolver os familiares nas metas e planos de tratamento poderão contribuir para aproximá-los e auxiliá-los durante a permanência na UTI.13

Estudo apontou fragilidades na comunicação entre médicos e familiares, mas destacou que houve um empenho para fortalecer essa prática, principalmente considerando os familiares como os apoiadores no processo de tomada de decisão, preocupados que essa decisão seja bem documentada.15 Em estudo realizado por médicos, os enfermeiros receberam destaque por serem os profissionais que demonstram empatia e por construírem conexões emocionais ao oferecer conforto físico e linguagem informal, o que facilitou a comunicação. Essa interação entre prestadores de cuidados e familiares de pacientes é multidimensional, nesse sentido, a comunicação eficaz entre eles é considerada um fator redutor de custos de internação.16

Os familiares amparados e acolhidos pela equipe interdisciplinar podem contribuir para a recuperação do paciente. Ele tende a se sentir mais revitalizado ao perceber a presença do seu familiar e, sobretudo o carinho da equipe por ele. À beira do leito de UTI, são os familiares mais próximos que escutam os desejos e opiniões do paciente. Entretanto, muitas vezes, pela situação crítica de adoecimento, as opiniões podem ser fornecidas por àqueles que ao longo da vida conheceram os valores daquele paciente.

Para estabelecer uma conexão com os pacientes, os médicos priorizam conhecê-los por meio de informações sobre antecedentes familiares, perguntas, entendimento, objetivos, preocupações, bem-estar e pedidos de informações adicionais. Já para as famílias se aproximarem da dinâmica do atendimento, pode-se incluir diagnóstico, tratamentos, prognóstico, status, horário, conforto, metas de atendimento, equipe médica e inclusão da família.17

Os pacientes críticos podem, muitas vezes, não ter condições de opinar sobre as opções de tratamento e cuidado, neste contexto, a voz dos familiares como tomadores de decisão pode ser necessária. Autores21 abordam os dilemas éticos referentes a quem deveria tomar decisões sobre os procedimentos quando o paciente perde a capacidade de decidir; como promover a integração, envolvimento, colaboração e capacitação das famílias com os prestadores de cuidados;16 a participação da família nos rounds e discussões;19-20 e as informações mais relevantes para familiares.17

Porém, profissionais destacam que as famílias precisam ser consultadas sobre suas preferências na participação dos rounds, o que pode impactar na avaliação da qualidade do atendimento à família.19 O aumento no tempo necessário para a realização desta prática foi destaque, assim como o risco de gerar desconforto e ser necessário atender os familiares em uma sala reservada, onde há menor restrição de tempo e menos formalidade. Por outro lado, a participação dos familiares pode proporcionar educação em saúde, melhorar o relacionamento da família com a equipe e diminuir a necessidade de orientações em reuniões exclusivas às famílias.20

Vale destacar que nem todos os familiares querem, por exemplo, receber informações sobre o prognóstico médico do familiar hospitalizado na UTI, mesmo reconhecendo a importância do prognóstico como base para a tomada de decisões, com expectativas de manter a esperança em um resultado melhor.18

Para auxiliar as tomadas de decisão, autores sugerem o método denominado abordagem de “quatro caixas” como uma maneira empírica de analisar e resolver questões de ética clínica, usando casos particulares, onde os julgamentos alcançados dependem de julgamentos alcançados em casos anteriores.21 Essa técnica está apoiada em quatro tópicos considerados constitutivos da estrutura essencial de um caso clínico: indicações médicas, preferências do paciente, qualidade de vida e características contextuais.

Para tomar decisões, é necessário ter um mínimo de conhecimento sobre o desejo do paciente, suas reais condições de saúde, além de considerar sua individualidade e rotinas. A participação da família nesse processo precisa ter o apoio dos profissionais intensivistas para minimizar arrependimentos. Nesse contexto, autores destacam que os membros da família de pacientes críticos podem sofrer sintomas de Post-Intensive Care Syndrome-Family (PICS-F), o que inclui ansiedade, depressão e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e que, por sua vez, poderá reduzir a qualidade de vida. Destaca-se que, quando há histórico de ansiedade e depressão anteriores ao processo de tomada de decisão, este se torna um preditor significativo da gravidade e prevalência dos sintomas de TEPT durante o processo.22

Os familiares de pacientes críticos na unidade de terapia intensiva enfrentam morbidade significativa, uma vez que o processo de tomada de decisão que desempenham tem um papel significativo na morbidade psicológica associada ao fato de ser um substituto na UTI. Assim, evidencia-se que os membros da família que enfrentam decisões importantes de final de vida têm mais conflitos e arrependimentos decisórios do que àqueles que enfrentam decisões fora do contexto de fim de vida.23 No entanto, pode ser que o papel do tomador de decisão para a morte de seu familiar seja o único preditor não traumático de sintomas de estresse pós-traumático.24

O perfil de enfrentamento entre os membros da família é um fator importante que pode diferenciar nas tomadas de decisões. Além disso, destaca-se que o apoio dos profissionais à decisão na UTI é de extrema importância e deve considerar o perfil de enfrentamento e atributos individuais dos familiares assim como o tipo de decisão e em qual situação se encontra o paciente internado.25

Identifica-se como limitação neste estudo a carência de publicações que associam as condutas de apoio dos profissionais e a participação da família no processo de tomada de decisão durante a internação na unidade de terapia intensiva, além disso estima-se que na medida em que as visitas sejam menos restritivas, não apenas para os pacientes pediátricos e em fase terminal, poder-se-ia dispor de mais artigos para a discussão. A inclusão de apenas três bases de dados, também pode ser considerada limitação do estudo.

Como contribuição para a área da enfermagem e saúde, este estudo apresenta a possibilidade de discutir sobre a participação dos familiares com vistas a valorizá-los no contexto da internação na Unidade de Terapia Intensiva, e destacar a necessidade de tê-los como aliados para otimizar a recuperação do paciente crítico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise dos estudos permitiu evidenciar os aspectos mais relevantes sobre a participação da família no processo de internação do paciente na UTI. Com destaques para a importância da comunicação clara e honesta com os familiares para o estabelecimento da confiança.  É, ainda inviável afirmar qual seria a melhor abordagem, ou a abordagem ideal a ser realizada com famílias de pacientes de UTI, mas, dentre os procedimentos adotados para melhorar a avaliação da família sobre a qualidade da atenção, destacaram-se a valorização da família, sua inclusão nos rounds, participação nos cuidados, além da disponibilidade do profissional para atender às suas necessidades com o uso de linguagem informal.

REFERÊNCIAS

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Recebido em: 27/03/2021

Aceito em: 07/07/2022

Publicado em: 30/07/2022



[1] Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: josiele_neves@hotmail.com ORCID: 0000-0002-8754-059X

[2] Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: edaschwa@gmail.com ORCID: 0000-0002-5823-7858

[3] Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: lima.lilian@gmail.com ORCID: 0000-0003-2070-6177

[4] Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: fernandalise@gmail.com ORCID: 0000-0002-1677-6140

[5] Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: jessica_bazzan@hotmail.com ORCID: 0000-0002-8457-134X

 

Como citar: Neves JL, Schwartz E, Spagnolo LM, Lise F, Bazzan JS. Família, tomada de decisão e apoio dos profissionais nas unidades de terapia intensiva: revisão integrativa. J. nurs. health. 2022;12(3):e2212320895. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/enfermagem/article/view/20895





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