ARTIGO ORIGINAL

Desgastes físicos e emocionais do enfermeiro decorrentes do atendimento pré-hospitalar móvel

Nurses' physical and emotional exhaustion resulting from mobile pre-hospital care

Desgaste físico y emocional de los enfermeros como resultado de la atención prehospitalaria móvil

Barbosa, Karoline Hyppolito;[1] Ribeiro, Beatriz Maria dos Santos Santiago;[2] Giorio, Maria Clara;[3] Yagi, Mara Cristina Nishikawa;[4] Oliveira, Leticia Coutinho de;[5] Karino, Marcia Eiko[6]

RESUMO

Objetivo: descrever as principais queixas causadas pelas cargas psíquicas no processo de trabalho dos enfermeiros no atendimento móvel pré-hospitalar. Método: pesquisa qualitativa realizada com 15 enfermeiros do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência de uma cidade do norte do Paraná. O instrumento de coleta tinha informações de caracterização sociodemográfica e do trabalho. Os dados foram submetidos à análise de conteúdo. Resultados: evidenciaram-se desgastes emocionais e físicos causados pelas cargas psíquicas associadas ao estresse no trabalho: apreensão, ansiedade, irritação, nervosismo, insônia, falta de paciência, imediatismo das coisas, medo do desconhecido, alteração dos sinais vitais, frustração, desânimo, tristeza, desmotivação, ausência de reconhecimento profissional, força física, entre outros. Conclusões: recomenda-se que a instituição disponibilize suporte psicológico, momentos de confraternização/lazer, vigilância em Saúde do Trabalhador, entre outras atividades que podem proporcionar qualidade de vida no trabalho do enfermeiro, reduzindo desgastes físicos e emocionais ocasionados pelo desempenho da sua função no Serviço Móvel de Urgência.

Descritores: Saúde do trabalhador; Unidades móveis de saúde; Riscos ocupacionais; Enfermagem

ABSTRACT

Objective: to describe the main complaints caused by psychic loads in the work process of nurses in pre-hospital mobile care. Method: qualitative research carried out with 15 nurses from the Mobile Emergency Care Service in a city in northern Paraná. The collection was about sociodemographic and work characteristics. Data were submitted to content analysis. Results: emotional and physical strains caused by the psychological burdens associated with work stress were evidenced: apprehension, anxiety, irritation, nervousness, insomnia, lack of patience, immediacy of things, fear of the unknown, alteration of vital signs, frustration, discouragement, sadness, lack of motivation, lack of professional recognition, physical strength, among others. Conclusions: it is recommended that the institution provide psychological support, moments of socializing/leisure, surveillance in Occupational Health, among other activities that can provide quality of life in the work of nurses, reducing physical and emotional exhaustion caused by the performance of their role in the work.

Descriptors: Occupational health; Mobile health units; Occupational risks; Nursing

RESUMEN

Objetivo: describir las principales quejas provocadas por las cargas psíquicas en el proceso de trabajo de los enfermeros en la atención móvil prehospitalaria. Método: investigación cualitativa realizada con 15 enfermeros del Servicio Móvil de Atención de Emergencia en norte de Paraná. La recolección fue sobre caracterización sociodemográfica y laboral. El análisis fue de contenido. Resultados: se evidenciaron tensiones emocionales y físicas provocadas por las cargas psicológicas asociadas al estrés laboral: aprensión, ansiedad, irritación, nerviosismo, insomnio, falta de paciencia, inmediatez de las cosas, miedo a lo desconocido, alteración de los signos vitales, frustración, desánimo, tristeza, falta de motivación, falta de reconocimiento profesional, fuerza física, entre otros. Conclusiones: se recomienda que la institución brinde apoyo psicológico, momentos de socialización/ocio, vigilancia en Salud Ocupacional, entre otras actividades que pueden brindar calidad de vida en el trabajo, reduciendo el desgaste físico y emocional ocasionado por el desempeño de su rol de trabajo.

Descriptores: Salud laboral; Unidades móviles de salud; Riesgos laborales; Enfermería

INTRODUÇÃO


A Política Nacional de Urgência e Emergência foi instituída em 2003 e teve como objetivo estruturar e consolidar a rede no Brasil.¹ Essa política intencionou a organização dos serviços, como a regulação dos atendimentos às urgências e emergências, através de uma central de regulação, e principalmente visando garantir assistência adequada durante o atendimento inicial.²

O Atendimento Pré-Hospitalar (APH) visa o atendimento precoce às vítimas, após algum tipo de dano, podendo ser ele de origem clínica, cirúrgica, traumática ou psiquiátrica, sendo necessárias intervenções precoces para que se reestabeleça à saúde como antes do ocorrido.³

Devido tal complexidade, é indispensável à atuação de profissionais altamente capacitados a fim de proporcionar atendimentos para diversos tipos de danos, em diversas faixas etárias, e em diferentes locais.4 O atendimento prestado ocorre em lugares distintos, como residências, empresas, e principalmente, vias públicas.  Para isso o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) dispõe de uma equipe composta por médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e condutores com formação de socorrista.¹

Sabe-se que o profissional enfermeiro desempenha importante papel para o serviço de saúde. Cabe a ele responsabilidade técnica sobre sua equipe, porém, para desempenhar tal função, se faz necessária competência científica. Atualmente procura-se por enfermeiros que dominem tecnologias, possuam raciocínio rápido, e principalmente, que tenham o papel gerencial. Durante o atendimento no SAMU, cabe ao enfermeiro prestar assistência avançada direta ao paciente,5 expondo-se assim a riscos ocupacionais.

Um conjunto de práticas centradas na associação da saúde com o processo de trabalho constitui a Vigilância em Saúde do Trabalhador. A Saúde do Trabalhador (ST) visa à assistência aos trabalhadores, buscando melhorias as condições de vida e saúde, com o intuito de intervir em vínculos trabalhistas que desencadeiam agravos à saúde.6

Devido tais limitações encontradas pelos trabalhadores, como por exemplo, número reduzido de trabalhadores para excessivas horas trabalhadas, os profissionais são expostos a cargas de trabalho. Essas cargas de trabalho atuam de maneira direta e indiretamente na saúde do trabalhador, por estarem presentes propriamente no processo de trabalho e no ambiente nos quais ocorrem.7

Atualmente as cargas de trabalho são classificadas em biológicas, químicas, mecânicas, fisiológicas, físicas e psíquicas. Na carga biológica o trabalhador é exposto diretamente a fluídos corpóreos e secreções; na carga química ocorre à manipulação de substâncias, como medicamentos; cargas mecânicas são decorrentes de acidentes com materiais perfuro cortantes; a carga fisiológica ocorre pelo uso do corpo durante o processo de trabalho, gerando posturas inadequadas e desgastes; carga física está relacionada a agentes físicos, como radiações, eletricidade, temperatura e outros; e por fim, a carga psíquica.7-8

Em destaque a Carga Psíquica, ocorre devido ao ritmo de trabalho exacerbado, jornadas excessivas, redução das horas de descanso, movimentos repetitivos, uso intenso de força física, necessidade extrema de atenção, supervisão constante, falhas na comunicação, angústia, ansiedade, estresse, desprazer profissional, entre outros, sendo os principais responsáveis pelo desgaste profissional.8-9

Assim, trabalhadores que atuam diretamente com emergências, encontram-se mais suscetíveis aos sofrimentos causados pelas cargas psíquicas, considerando o processo de trabalho ininterrupto no qual estão inseridos. Frente a isso, o processo de trabalho pode acarretar prazer durante a dinâmica trabalhista, como insatisfação, perante as adversidades listadas.9

Diante do exposto, pretende-se destacar a carga psíquica, respondendo a seguinte questão norteadora: Quais os principais desgastes causados pelas cargas psíquicas no profissional enfermeiro durante o atendimento móvel pré-hospitalar? Portanto, este estudo teve como objetivo: descrever as principais queixas causadas pelas cargas psíquicas no processo de trabalho dos enfermeiros antes, durante e após o atendimento móvel pré-hospitalar.

MATERIAIS E MÉTODO

Pesquisa descritiva, exploratória e qualitativa. A pesquisa qualitativa busca entendimento dentro de um determinado grupo social, onde seu enfoque é evidenciar a realidade que não pode ser quantificada.10 O estudo contou com a participação de 15 enfermeiros do SAMU de uma cidade do norte do Paraná. O atendimento móvel de urgência na cidade pesquisada existe desde 2003 e tem sede própria em uma região central da cidade desde 2005, atendendo toda 17º Regional de Saúde. As ocorrências devem ser acionadas pela central de Urgências através do nº192.  Conta com uma equipe de serviço aero médico e oito ambulâncias, sendo três de Suporte Avançado de Vida, composta por um Enfermeiro, um Médico e um Condutor Socorrista; já as outras cinco fazem parte do Suporte Básico de Vida, onde atuam apenas um Técnico de Enfermagem e um Condutor Socorrista. O SAMU conta com 20 enfermeiros, independente do sexo e faixa etária, sendo que contribuem no atendimento do serviço móvel avançado de saúde terrestre e aero rodoviário.

Como critérios de inclusão, os profissionais deveriam possuir graduação em Enfermagem, pós-graduação em Urgência e Emergência ou Cuidados Intensivos, estar atuando como enfermeiro neste serviço e prestar atendimento direto ao paciente, atuando durante o APH, e com no mínimo dois anos de experiência no APH. Para critérios de exclusão, profissionais enfermeiros que estivessem desempenhando no momento da coleta de dados atividades administrativas ou mesmo enfermeiros em função de técnico de enfermagem, trabalhadores em férias ou licença por outros motivos bem como aqueles que não aceitaram participar do estudo.

Para a coleta de dados foi utilizado um instrumento pré-elaborado, que continha as seguintes questões: Quais os principais desgastes as cargas psíquicas causam em você antes, durante e após sua rotina de trabalho? Em qual momento/cenário os sentimentos se mostram mais evidentes? Quais estratégias você usa para reduzir os efeitos gerados pelas cargas psíquicas? Você já apresentou algum sintoma psíquico, relacionado à saúde mental devido a algum evento/acontecimento no trabalho? Fez consulta médica/psiquiátrica? Se sim, faz uso de medicações? Quais?

Os instrumentos de coleta foram divididos em duas etapas: Caracterização sociodemográficas (sexo, idade, ano de conclusão da graduação e situação conjugal) e caracterização do trabalho (anos de experiência na área da saúde, tempo de trabalho na instituição atual, carga horária trabalhada por dia e semana, turno de trabalho, trabalho em outra instituição e qual a especialidade da pós-graduação).

As entrevistas e as gravações foram realizadas de novembro a janeiro de 2020. As entrevistas foram, individualmente, com os enfermeiros do SAMU que totalizaram 20 profissionais, mediante agendamento prévio dos enfermeiros em ambiente privado, propiciando uma interação entre o pesquisador e o entrevistado, para que ele pudesse responder as questões. 

Para o tratamento dos dados coletados utilizou-se a técnica de análise de conteúdo que contou com três momentos distintos: a pré-análise que incluiu a leitura flutuante dos dados transcritos; a exploração do material que representou a seleção das falas dos sujeitos e a organização em categorias que foram agrupadas por temas; isto é; quando convergirem para um significado comum foram classificadas em uma mesma categoria e por último, o tratamento dos resultados, que foram interpretados pelas falas dos sujeitos.11

Após o término das entrevistas gravadas foram transcritas as falas dos participantes entrevistados do estudo.  Em seguida foi realizada uma leitura minuciosa e extraídos pontos relevantes de acordo com os objetivos propostos e a partir daí a categorização pertinente à reflexão.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Estadual de Londrina nº 19625619.6.0000.5231, obedecendo a Resolução nº466/12 do Conselho Nacional de Saúde e as Diretrizes nº12, das Diretrizes Éticas Internacionais para Pesquisas Biomédicas envolvendo Seres Humanos, ocorrendo mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que visa garantir a voluntariedade de sua participação, a possibilidade de desistência em meio à coleta dos dados, além da confidencialidade por parte do pesquisador.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Em relação aos dados sociodemográficos, observou-se que dos 20 enfermeiros da instituição, apenas 15 participantes foram aptos a realizar a pesquisa, destes, 10 mulheres e apenas cinco homens, com idade mínima de 31 anos e máxima de 46 anos. Dos 15 profissionais, oito relataram trabalhar em outras instituições. Todos envolvidos neste estudo são profissionais enfermeiros e com título de pós-graduação em Urgência e Emergência, Cuidados em Intensivos ou ambos. O tempo de atuação na instituição variou de dois a nove anos.

A fim de garantir a confidencialidade do entrevistado, foi utilizado o codinome ALFA em cada relato. ALFA são unidades de Suporte Avançado de Vida, ou seja, aquelas que contam com um enfermeiro na equipe juntamente com o médico e o condutor socorrista.12

Após a análise de conteúdo, segundo Bardin,11 as respostas obtidas foram distribuídas em quatro categorias a seguir:

Desgastes Emocionais frente às Cargas Psíquicas

Nesta categoria observou-se a presença de desgastes emocionais explícitos durante a fala dos entrevistados causados pelas cargas psíquicas associadas ao estresse no trabalho.

[...] É no começo você fica meio [...] apreensiva, porque é uma coisa que você não sabe o que você vai encontrar, [...] às vezes você chega lá e tá esperando o pior e não é, ou você tá esperando pouca coisa e é o pior né [...] (ALFA 1)

[...] Ansiedade, irritação, nervosismo, insônia, falta de paciência, imediatismo das coisas – querer todas as coisas de uma maneira imediata; Medo do desconhecido, alteração dos sinais vitais; Frustração às vezes [...] (ALFA 2, ALFA 10, ALFA 14)

O profissional atuante em serviços de urgência e emergência encontra diversos cenários para a realização dos atendimentos, como ocorrências de caráter incerto, onde lidam com a morte, pressão de familiares devido ao acontecimento e atuação em tempo reduzido, necessitando de uma prestação de serviços imediata.13

Segundo um estudo realizado em Pernambuco, trabalhadores que atuam frente à urgência estão sujeitos à alteração do quadro emocional gerado ao decorrer de sua rotina de trabalho exaustiva e a exposição ao estresse ocupacional. O acionamento para atendimentos de emergência gera por si só um desgaste emocional nesses profissionais, podendo acarretar ansiedade, depressão e outros sintomas causados pela alta carga emocional,14 como pode-se observar nas falas descritas.

Além dos sintomas descritos, o sujeito também pode desencadear outros sintomas psíquicos como desânimo, fadiga, mialgia, insônia, taquicardia, esgotamento emocional, raiva, medo, frustação e irritabilidade,15 o que vem ao encontro com o atual estudo.

[...] Ah, às vezes desânimo, ansiedade também já tive, e algumas situações também de tristeza, desmotivação, por você ver que, às vezes a característica do trabalho tem mudado bastante, ou também de você se doar demais no serviço e não ser reconhecido, então aí acaba te desmotivando, acaba te deixando chateada [...] (ALFA 3)

Além dos desgastes emocionais causados ao decorrer dos atendimentos, existe também a presença de fatores estressantes devido a aspectos organizacionais como a deficiência no reconhecimento profissional16 e a execução de tarefas além da sua alçada, o que acarreta conflitos e contribui ainda mais para o estresse no ambiente de trabalho.17

Desgastes Físicos frente às Cargas Psíquicas

De acordo com os relatos, observou-se que a força física e a atuação em ambientes insalubres intensificam a ação das cargas psíquicas, conforme exposto a seguir:

[...] A gente lida muito com paciente pesado né, então a gente ergue, abaixa a maca [...]. Alguns lugares aonde a gente vai, lugares de difícil acesso, [...] não tem luz, não tem uma luz boa para a gente poder visualizar uma punção. Situação de risco né, a gente também atende em rodovias [...] (ALFA 4)

[...] Carga, seria mais em plantões mais movimentados, né, que tem bastante acionamentos [...]. É, depende do plantão tem uma alta demanda de atribuições a serem estabelecidas, realizadas, geram um pouco ai de desconforto, cansaço. Mas é sazonal [...] (ALFA 5)

A exposição dos profissionais favorece ao aparecimento das cargas psíquicas,14 que identifica o ambiente de trabalho do profissional do APH como um ambiente insalubre, visto que estes profissionais estão frequentemente expostos a riscos ocupacionais. A exposição dos enfermeiros às sobrecargas de trabalho tem sido relatada com a potencialidade de gerar doenças graves, com alta frequência de mortalidade, como as hepatites, Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA), cânceres e exposição à radiação ionizante, bem como o estresse e o suicídio.18 É inquietante o fato de se conhecer um perfil de morbidade de enfermeiros que compromete a capacidade de trabalho atual e futura, pela exposição às sobrecargas de trabalho e processos de desgastes sofridos e, no entanto, não serem conhecidas as causas intrínsecas de doenças decorrentes da gravidade da exposição psíquica.

A carga horária semanal dos profissionais atuantes em tal serviço é exaustiva, porém passível de flexibilidade, abrindo caminhos para a possibilidade e até mesmo necessidade de outro emprego. Em um estudo,19 a realidade da dupla jornada de trabalho, assim como no presente estudo, é vista, havendo vários profissionais com duplo vínculo empregatício. Quando os profissionais excedem às 30 horas semanais propostas pelo serviço, ele apresenta limitação dos desempenhos esperados e ocorre uma predisposição para acidentes de trabalho, adoecimento físico e emocional, e por consequência seu afastamento. 19

[...] a carga de trabalho, ter dois vínculos, então isso não facilita, por que o trabalho noturno desgasta a gente, principalmente quando eu venho para o serviço diurno, por ter trabalhado [...] (ALFA 6)

Devido tal fato, observa-se também que a dupla jornada de trabalho acarreta diretamente na qualidade do sono do profissional.16 Por possuir uma carga horária adaptável, os profissionais se submetem a jornadas contínuas, como plantão diurno e plantão noturno seguidos, prolongando sua escala de trabalho e consequentemente acarretando distúrbios do sono, desgaste físico e emocional. Este quadro presente na enfermagem, produzido pela divisão do trabalho, que compartimentaliza tarefas e decisões, resultam em uma ruptura no fluxo de trabalho. O alto nível de exigência dos superiores, dos pacientes e da própria tarefa em si, exige atenção constante do enfermeiro, não apenas em termos de qualidade, mas na quantidade de tarefas a cumprir. Desgastados pela dupla jornada de trabalho, convívio cotidiano com situações de dor e sofrimento, ritmo acelerado, turnos de trabalho irregulares e sempre no atendimento de urgência, os enfermeiros vivenciam uma sobrecarga múltipla e contínua.

[...] qualidade de sono, a gente não tem uma qualidade muito boa de sono aqui [...] (ALFA 7)

[...] Ah, por trabalhar a noite, às vezes cansa um pouco fisicamente, por causa da falta de dormir a noite, tem noite que a gente trabalha a noite inteira, não tem uma pausa de descanso de 2 horas ou de 3 horas, [...]. E às vezes também pegamos muito trauma ou parada cardíaca, então, tem um esforço físico muito grande para atender, às vezes é o cansaço físico mesmo, o esgotamento físico, de fazer força, a maioria dos pacientes são grandes, obesos, então, às vezes a gente faz muita força, muita força muscular [...] (ALFA 8)

[...] Durante quando emenda muito uma ocorrência na outra, a gente fica sem ir ao banheiro, sem almoçar, é um desgaste físico, que acaba gerando um desgaste emocional, a gente acaba ficando irritada, pelo desconforto, de vontade de fazer xixi, fome [...] (ALFA 12)

O risco ergonômico se torna evidente durante os atendimentos, pois exige do profissional um trabalho manual contínuo e a necessidade de realizar esforço físico intensamente durante as ocorrências,20 onde ocorre a manipulação dos pacientes e dos equipamentos que compõem a ambulância, que na maioria das vezes apresentam um peso elevado, acarretando frustação e adoecimento do profissional.21

Cenários envolvendo Crianças e Violência devido às Cargas Psíquicas

Por meio das falas apresentadas a seguir, foi possível identificar os cenários que causam maior desconforto psíquico durante os atendimentos, dentre eles o cenário envolvendo crianças e a ocorrência de violência com o paciente, que na maioria das vezes, o levam a morte.

De acordo com estudo realizado em Minas Gerais, existem fatores que interligam o trabalho com a vida pessoal, como por exemplo, durante um atendimento traumático, existem situações que geram emoções, podendo influenciar no contexto biopsicossocial, uma vez que, segundo tal estudo, é impossível desassociar o contexto pessoal com o trabalho.22

[...] Normalmente quando é criança a gente vai mais apreensivo, [...] suicídio [...] (ALFA 1)

[...] Ah, se for para pensar em relação às ocorrências, os atendimentos que me deixam mais tristes assim, bem mais complicado de lhe dar, [...] e a gente passa a pensar no que aconteceu durante o restante do dia, [...] óbito de um paciente jovem, um atendimento no paciente jovem, ou criança, talvez porque eu tenha filho jovem, criança pequena, às vezes acaba meio que relacionando uma coisa com a outra né [...] (ALFA 3)

Tais situações podem gerar estresse e despertar sentimentos nesses profissionais, pois lidam diariamente com atendimentos traumáticos, entre eles, vítimas de agressão, ferimentos por arma de fogo, afogamento, e principalmente atendimento a crianças, como exposto nas falas do presente estudo, similar a outro estudo.22

Devido a isso os profissionais tornam-se expostos a sentimentos e emoções acarretados durante a prestação de serviços, pois tais cenários geram reflexo em sua vida pessoal devido ao alto grau de envolvimento, e por associar estes sentimentos à sua vida pessoal.22

[...] Principalmente quando envolve criança, adolescente, pessoas novas a gente fica com a aquilo na cabeça. [...] cada ocorrência é um tipo de situação, entendeu, [...] tem um agravo, é um cuidado, a gente também vai para a cena de crime, por arma de fogo, esfaqueamento, suicídio [...] (ALFA 4)

[...] Acho que cenário que tem trauma de criança, acho que é o mais assim chocante, acho que por ser mãe a gente acaba se chocando mais quando vê trauma de criança [...] (ALFA 8)

[...] Atendimento a criança e em suicídio, afogamento, trauma [...] (ALFA 9; ALFA 10)

[...] Quando é criança eu fico um pouco mais ansioso, até porque a gente tem filho e sempre se coloca no lugar da família [...] (ALFA 15)

[...] durante a ocorrência seria quando a gente atende esses óbitos de pessoas jovens, que seguindo o ciclo da vida, quem falece é o idoso né. E óbito por acidente, ou queimadura. Estupro, quando a gente atende mulheres ou crianças vítimas de abuso sexual [...] (ALFA 13)

Muitos profissionais acabam sendo tachados como “frios” pela população ou por pessoas que o cercam. Devido ao alto grau de envolvimento com tais ocorrências, muitas vezes o profissional se vê obrigado a lidar com tais situações de maneira rotineira, para que tais sentimentos não interfiram diretamente em seu cotidiano e até mesmo em sua saúde mental.22

Fez ou Faz Uso de Medicamento para controle da Carga Psíquica

Como abordado anteriormente, durante a análise das falas dos entrevistados, pode-se identificar o estresse sofrido pelos mesmos em diversas situações, fazendo com que tais indivíduos recorressem a estratégias para alívio, neste caso, uma estratégia medicamentosa.

[...] Já, e recentemente ainda, que eu fiquei afastada, estava sentindo, tendo sensações de pequenos desesperos assim. [...] o psiquiatra diagnosticou como transtorno de ansiedade, mas agora eu já estou bem melhor. Ainda sinto sim, não vou dizer que não, mas estou bem melhor do que eu estava. Eu estava tomando remédio, aí agora eu vou passar de novo no médico para ver como é que vai ficar né. [...] Era Ansiolítico [...] (ALFA 3)

Estudo realizado em Belo Horizonte com enfermeiros de Unidade de Terapia Intensiva aponta o uso de medicamentos antidepressivos, antipsicóticos e ansiolíticos por estes profissionais.23 Isso ocorre após a existência de lacunas entre o profissional e o sistema de trabalho, causando sofrimento ao trabalhador.23 Em concordância ao presente estudo, é evidenciado que a enfermagem por estar em contato direto com o paciente recebe alta carga de trabalho e estresse.24

[...] Irritabilidade, [...] usei Escitalopram® por 30 dias. Não tomo mais [...] (ALFA 10)

[...] Eu faço uso de medicamento, que se chama Sertralina® por causa da minha irritabilidade. [...] Estava ficando muito irritado, sem paciência principalmente com os meus filhos, então conversando com um médico, ele me deu essa opção e eu aceitei, e foi muito bom, muito, muito bom. [...] E foi um apelo assim que me libertou dessa irritabilidade, eu não sabia mais o que fazer. Passava mal, eu não me aguentava, imagina os outros né, então me ajudou muito, demais [...] (ALFA 15)

Em um estudo25 realizado na Jordânia, identificaram o uso de diversas substâncias como cigarro e bebidas energéticas, além do uso de ansiolíticos e antidepressivos, como visto no presente estudo. Segundo o pesquisador, o uso de tais substâncias se faz necessário devido problemas inerentes ao trabalho, como insatisfação, altas demandas, turnos irregulares, além da jornada com horas extras, múltiplas funções e outras características como citado anteriormente, favorecendo tal uso.

Devido à alta exposição ao risco psicossocial, os profissionais tendem a apresentar distúrbios, propiciando ao acometimento da sua saúde. A instituição deve ofertar condições de trabalho favoráveis para o controle dos agentes estressores, a fim de reduzir as condições adversas propiciadas pelas cargas de trabalho.24

A atuação do serviço de psicologia se faz necessário frente aos desgastes vividos diariamente por profissionais do SAMU, intervindo diretamente nos trabalhadores expostos ao esgotamento físico e mental que procuram por alívio das cargas de trabalho. A atuação destes profissionais será fundamental em situações como as citadas neste estudo, agindo de modo a fortalecer o profissional diante do despreparo em cenários distintos e assegurando o processo de humanização no atendimento a urgências e emergências.26

É imprescindível o papel da Vigilância em ST nos serviços de saúde, não sendo diferente com os profissionais atuantes no APH. A vigilância necessita visar melhorias nas condições laborais, reduzindo então os efeitos gerados pelas cargas de trabalho nos profissionais expostos.6

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No mundo contemporâneo marcado pelo fenômeno da mudança estão ocorrendo transformações políticas, econômicas e tecnológicas. Essas mudanças repercutem de forma direta nas organizações hospitalares, produzindo um ambiente cada vez mais exigente e dinâmico e que obriga o trabalhador a diversas adaptações, para que possa manter sua atuação com qualidade, necessariamente, precisa atender a demanda da saúde populacional como constatado nesse estudo.

Evidenciou-se que as cargas psíquicas implicam diretamente no trabalhador enfermeiro do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência, pois eles estão inseridos em cenários estressantes, expostos a diversos riscos e em ambientes insalubres, que geram estresse e desgastes, tanto físicos, quanto emocionais. É importante expressar mais uma vez, a ideia do corpo biopsicossocial, visto que essa concepção resgata o fato, muitas vezes esquecido, de que são simultaneamente, indivíduo e coletividade, com todas as responsabilidades que esta implica.

Recomenda-se implantar e manter ativas as ações junto ao serviço de Medicina Ocupacional e da Divisão de segurança e higiene do trabalho, o registro, monitoramento e vigilância dos agravos à saúde que subsidiem intervenções eficazes referentes às cargas psíquicas, e que a instituição disponibilize suporte psicológico para os profissionais e promova momentos de descontração entre a equipe, oferecendo estratégias a fim de proporcionar melhor qualidade na assistência prestada, visando assim, reduzir os desgastes causados pelas cargas psíquicas no profissional enfermeiro do Atendimento Móvel de Urgência.

REFERÊNCIAS

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Recebido em: 18/03/2021

Aceito em: 24/03/2022

Publicado em: 04/04/2022



[1] Universidade Estadual de Londrina (UEL). Londrina, Paraná (PR). Brasil (BR). E-mail: karol_hyppolito@hotmail.com ORCID: 0000-0003-4990-7984

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[3] Universidade Estadual de Londrina (UEL). Londrina, Paraná (PR). Brasil (BR). E-mail: mclara@uel.br ORCID: 0000-0002-8241-2994

[4] Universidade Estadual de Londrina (UEL). Londrina, Paraná (PR). Brasil (BR). E-mail: marayagi@hotmail.com ORCID: 0000-0003-4797-8930

[5] Universidade Estadual de Londrina (UEL). Londrina, Paraná (PR). Brasil (BR). E-mail: coutinholeticia.lc@gmail.com ORCID: 0000-0001-9224-2784

[6] Universidade Estadual de Londrina (UEL). Londrina, Paraná (PR). Brasil (BR). E-mail: marciak2503@hotmail.com ORCID: 0000-0002-6582-2801

 

Como citar: Barbosa KH, Ribeiro BMSS, Giorio MC, Yagi MCN, Oliveira LC, Karino ME. Desgastes físicos e emocionais do enfermeiro decorrentes do atendimento pré-hospitalar móvel. J. nurs. health. 2022;12(2):e2212220832. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/enfermagem/article/view/20832





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