Fatores de risco para sofrimento psíquico no processo de trabalho de enfermeiras hospitalares
Risk factors for psychic suffering in the work process of hospital nurses
Factores de riesgo para sufrimiento psíquico en el proceso de trabajo de enfermeras hospitalarios
Fabres, Sharon da Cruz;[1] Willrich, Janaína Quinzen;[2] Machado, Roberta Antunes;[3] Menezes, Etiene Silveira de;[4] Germano, Karoline dos Santos;[5] Fagundes, Angélica Trindade;[6] Kantorski, Luciane Prado[7]
RESUMO
Objetivo: identificar os fatores de risco que contribuem para o desenvolvimento do sofrimento psíquico no processo de trabalho de enfermeiras de um Hospital Escola no Sul no Brasil. Método: pesquisa qualitativa, de caráter descritivo, realizada com oito enfermeiras mediante a aplicação de uma entrevista semiestruturada. Resultados: foram relatadas, como fatores de risco envolvidos no processo de sofrimento psíquico, a dificuldade de comunicação e as relações interpessoais conflituosas; a proximidade com a dor do outro como fator de risco para o sofrimento psíquico; a sobrecarga de trabalho frente às demandas de gestão da unidade e gestão do cuidado e a falta de recursos materiais. Conclusão: diferenciados fatores de risco vivenciados no processo de trabalho estão contribuindo para o desenvolvimento do sofrimento psíquico dessas trabalhadoras em saúde. É válido reforçar a importância de ações que foquem na minimização desses riscos e no manejo adequado das situações emergentes.
Descritores: Saúde mental; Ambiente de trabalho; Hospital; Enfermagem; Fatores de risco
ABSTRACT
Objective: identify risk factors that contribute to the development of psychic
suffering in the work process of nurses at a Teaching Hospital in the south of
Brazil.
Method: qualitative research of descriptive character carried out with
eight nurses through the application of a semi-structured interview. Results:
the following were reported as risk factors involved in the process of psychic
suffering: difficulty in communication and conflicting interpersonal
relationships; proximity to the pain of the other as a risk factor for psychic
suffering; overload of work in the face of the demands of unit management and
care management and the lack of material resources. Conclusion: differentiated
risk factors experienced in the work process are contributing to the
development of the psychic suffering of these health workers. It is valid to
reinforce the importance of actions that focus on the minimization of these
risks and the adequate management of emerging situations.
Descriptors: Mental health; Working environment; Hospitals; Nursing; Risk factors
RESUMEN
Objetivo: identificar los factores de riesgo que contribuyen al desarrollo del distrés psicológico en el proceso de trabajo de las enfermeras en un hospital universitario del Sur de Brasil. Método: investigación cualitativa de carácter descriptivo realizada con ocho enfermeras mediante la aplicación de una entrevista semiestructurada. Resultados: dificultades de comunicación y las relaciones interpersonales conflictivas fueron reportadas como factores de riesgo involucrados en el proceso de distrés psicológico; la proximidad al dolor del otro como factor de riesgo de distrés psicológico; sobrecarga de trabajo ante las exigencias de la gestión de la unidad y la gestión asistencial y la falta de recursos materiales. Conclusión: diferentes factores de riesgo experimentados en el proceso de trabajo están contribuyendo al desarrollo del distrés psicológico de estos trabajadores de la salud. Vale la pena recalcar la importancia de acciones que se enfoquen en minimizar estos riesgos y en la adecuada gestión de situaciones emergentes.
Descriptores: Salud mental; Ambiente de trabajo; Hospitales; Enfermería; Factores de riesgo
INTRODUÇÃO
Enfermeiras que atuam na área hospitalar são frequentemente expostas a condições insalubres e precárias de trabalho, uma combinação que pode produzir um declínio na qualidade de vida ocupacional.
O processo de trabalho da enfermeira é marcado pela interação humana e pelo trabalho afetivo, seja na assistência prestada à usuária do serviço e família ou nas relações interpessoais com a equipe de Enfermagem e multidisciplinar, características que podem contribuir para a carga psíquica dessas profissionais.1
Os impactos da carga psíquica refletem em prejuízos e custos na saúde das trabalhadoras e na produtividade das instituições. Pesquisas voltadas à saúde mental das enfermeiras identificaram que essas trabalhadoras constituem um grupo vulnerável ao desenvolvimento da Síndrome de Burnout, conhecida como uma síndrome de exaustão emocional, despersonalização e redução de realização profissional, a qual está ligada à saúde mental das trabalhadoras.2-4
O estresse ocupacional em profissionais da saúde, em especial nas enfermeiras, é um tema de debate e investigação científica na contemporaneidade em que estudos têm evidenciado que essas profissionais estão expostas a elevados níveis de pressão e estresse devido às características do processo de trabalho inerente à Enfermagem.5
No Brasil, as doenças psíquicas entre a população produtiva são a terceira causa de afastamento do trabalho.6 Dessa forma, conhecer os fatores que levam ao sofrimento psíquico relacionados ao processo de trabalho da enfermeira hospitalar é primordial para o desenvolvimento de ações pessoal e organizacional que visam à promoção da saúde mental, bem como a prevenção do adoecimento mental ocupacional.
Vínculo empregatício precário, baixa remuneração, dupla jornada de trabalho e reduzido reconhecimento social da profissão são fatores de risco que contribuem para o desenvolvimento do estresse profissional na Enfermagem.4,7 Embora essa profissão seja majoritariamente ocupada por mulheres, há de se considerar como um potencial fator de risco para o desenvolvimento de sofrimento psíquico das enfermeiras a desigualdade de gênero dentro das instituições hospitalares quando colegas homens ocupam mais cargos de liderança, mesmo quando suas colegas são mais preparadas e com mais tempo de experiência. Além disso, muitas vezes, as responsabilidades domésticas as impedem de atingir uma possível progressão profissional.8
Diante do exposto, esta pesquisa objetivou identificar os fatores de risco que contribuem para o desenvolvimento do sofrimento psíquico presentes no processo de trabalho de enfermeiras de um Hospital Escola (HE) no Sul no Brasil.
MATERIAIS E MÉTODO
Esta pesquisa possui uma abordagem qualitativa, descritiva e exploratória.9 Foi desenvolvida com enfermeiras que trabalham em um HE, classificado como um hospital geral, com 175 leitos distribuídos entre unidades de Clínica Cirúrgica Clínica Médica, três Redes de Urgências e Emergências (RUE), Clínica Obstétrica, Clínica Ginecológica, Clínica Pediátrica, Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal, Unidade de Tratamento Intensivo Geral e Hospital Dia, localizado na região sul do Rio Grande do Sul. A pesquisa foi realizada por uma das pesquisadoras, que na época da coleta estava realizando neste local seu estágio final do curso de graduação em Enfermagem pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Trata-se de um recorte da pesquisa: “Sofrimento psíquico de enfermeiros da área hospitalar”, que foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas sob o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética 07502819000005316 e número de parecer 3.203.503.
Após aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa foi realizado contato com as enfermeiras das unidades citadas anteriormente, onde foram convidadas a participarem da pesquisa, enfermeiras com experiência mínima de um ano na instituição (critério de inclusão). Não foram incluídas na pesquisa, enfermeiras que estavam de férias ou afastadas no período da coleta das informações. Participaram da pesquisa oito enfermeiras e 12 se recusaram.
Destaca-se que os princípios éticos foram respeitados em todos os momentos da pesquisa, conforme prevê a Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde, sobre pesquisa com seres humanos,10 assim como o Código de Ética dos Profissionais da Enfermagem, sobretudo os capítulos I, II e III, que dispõem sobre os direitos, deveres e proibições dos profissionais da Enfermagem.11
Participar dessa pesquisa teve como benefício a identificação pelas enfermeiras das possíveis causas do sofrimento psíquico em decorrência do trabalho, a partir do diálogo com a pesquisadora, onde puderam falar sobre suas emoções e angústias, e assim buscar alternativas individuais e coletivas de cuidado em saúde mental no trabalho. A pesquisa não desencadeou nenhum risco físico as participantes, porém a pesquisadora declarou para as participantes que algumas questões poderiam gerar desconforto e que as mesmas poderiam parar a entrevista e seguir em outro momento ou até mesmo desistir de participar da pesquisa.
Os nomes das entrevistadas foram substituídos por numeração aleatória, denominando-se os participantes de “Enfa.” para enfermeiras e “Enf.” para enfermeiros, além de mantidos seus respectivos postos de trabalho por influenciarem os dados informados.
O estudo utilizou as diretrizes do Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ). As entrevistas foram realizadas individualmente, no turno de trabalho das profissionais em sala reservada, o que garantiu a privacidade das participantes do estudo. As entrevistas foram gravadas por áudio com a permissão das participantes. O conteúdo das entrevistas compôs o material da análise de dados que foi baseado em Minayo.9 Os dados foram transcritos na íntegra e, mediante o material coletado, foi realizada uma leitura criteriosa, analisando-os de forma temática de acordo com o objetivo proposto, sendo observadas as etapas de: pré-análise; exploração do material; tratamento dos resultados e interpretação.9
Deste modo, chegou–se a quatro categorias temáticas: (1) Dificuldade de comunicação e as relações interpessoais conflituosas entre a equipe e com outros profissionais; (2) A proximidade com a dor do outro como fator de risco para o sofrimento psíquico; (3) Sobrecarga de trabalho da enfermeira hospitalar frente às demandas de gestão da unidade e gestão do cuidado; (4) A falta de recursos materiais e recursos humanos como geradora de sofrimento.
RESULTADOS
O estudo foi composto por meio da entrevista de seis mulheres e dois homens. Pode-se verificar uma variação de idade na faixa entre 30 e 40 anos; apenas uma das entrevistadas é casada; duas delas têm filhos; a maioria das entrevistadas é oriunda de outras cidades brasileiras; três entrevistadas são das regiões Norte e Nordeste do país. Com isso, o estudo corrobora a afirmação de que a Enfermagem é uma profissão predominantemente feminina. São trabalhadoras que possuem uma experiência profissional que contribui para a compreensão de seu processo de trabalho.
Quanto ao tempo de formação na graduação, a média aritmética é de aproximadamente oito anos e, quanto ao período trabalhando na referida instituição, a média é de dois anos e meio. Com relação ao vínculo empregatício, todas têm um contrato de trabalho ligado à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), portanto, são celetistas, sendo que, no hospital estudado, há outros profissionais da Enfermagem que pertencem ao regime de trabalho estatutário, os quais realizaram concurso público federal.
A partir da análise dos fatores de risco para o sofrimento psíquico apontados pelas enfermeiras que atuam na área hospitalar, agruparam-se os dados nas seguintes temáticas: Dificuldade de comunicação e a relação interpessoal conflituosa entre a equipe e com outros profissionais; A proximidade com a dor do outro como fator de risco para o sofrimento psíquico; Sobrecarga de trabalho da enfermeira hospitalar frente às demandas de gestão da unidade e gestão do cuidado e A falta de recursos materiais e de enfermeiras como geradora de sofrimento.
Temática 1: Dificuldade de comunicação e as relações interpessoais conflituosas entre a equipe e com outros profissionais
As falas apontam para as dificuldades percebidas por esses profissionais nos processos de comunicação entre a equipe. Essa dificuldade reflete-se diretamente na saúde mental das enfermeiras.
A falta de comunicação com alguns profissionais, de certa forma, o descaso de alguns profissionais com o paciente, porque a gente sabe que trabalha numa equipe multidisciplinar, mas a gente faz o nosso melhor e os outros profissionais não estão interessados nisso. (Enf. 1 da Urgência e Emergência)
A escala de profissionais, quando a gente vai fazer uma reunião da equipe e, às vezes, tem algumas divergências, às vezes, tem uns funcionários que, quando a gente passa uma mensagem, eles podem interpretar de outra forma. (Enfa. 2 da Urgência e Emergência)
As relações do dia a dia de trabalho já têm conflito, a gente tem colegas que aprovaram no concurso há muito tempo, de 20 anos, 15 anos, e tem os enfermeiros da EBSERH, que chegaram há pouco e que têm, em tese, experiência com menos tempo do que os outros colegas, mas isso não significa que a gente não tem que ter respeito das pessoas. (Enfa. 3 da Clínica Médica)
A demanda de trabalho, falta de comunicação, falta de protocolos para assistência, porque cada um faz do seu jeito e tu acaba sendo cobrada de outra maneira e isso gera um sofrimento porque tu tá querendo que o processo evolua. (Enfa. 4 da Enfermaria da Maternidade)
Temática 2: A proximidade com a dor do outro como fator de risco para o sofrimento psíquico
Ao desenvolver o cuidado, as enfermeiras aproximam-se da dor sentida por aquele que é cuidado. Essa aproximação foi apontada como fator de risco para o adoecimento das enfermeiras. O sofrimento é potencializado nas profissionais que atuam em enfermarias que assistem crianças, pessoas em cuidados paliativos e que realizam procedimentos dolorosos.
Pelo fato de trabalhar com criança e pelo fato de grande parte das pessoas aqui já serem mães, o nosso quadro de profissional é um quadro quase que 90% mulheres, então, o fato de ser mãe eu acho que tu acabas vendo um pouco do teu filho naquela criança que tu tá atendendo, então, tu sofre junto com a mãe. (Enfa. 5 Pediatria)
A gente tem a questão da empatia, a gente não tem como excluir; aqui, tem pacientes muito graves, pacientes viram manejo, são pacientes oncológicos que têm metástase, são os cuidados finais [...] perder paciente, ainda mais quando tem um bom tempo aqui com a gente, que acaba tendo uma convivência grande, vai se apegando, criando vínculo, acaba sofrendo [...]. (Enfa. 2 da Urgência e Emergência)
Se tu vais fazer um procedimento doloroso, tu ficas pensando “ai, vai doer”; eu acho que seria mais em relação a isso, de tu ter muita empatia pelo paciente que tu tá atendendo [...]. (Enfa.5 da Pediatria)
Temática 3: Sobrecarga de trabalho da enfermeira hospitalar frente às demandas de gestão da unidade e gestão do cuidado
As enfermeiras relataram que a sobrecarga de trabalho, por conta da alta burocratização da rotina hospitalar, e a alta cobrança por desempenho contribuem com o aumento do estresse no trabalho.
Muitas vezes, sobrecarregada, a gente preenche muito papel, faz muita burocracia e deixa de prestar o cuidado para os pacientes, resolve a fechadura, resolve o almoxarifado, resolve a farmácia, resolve as pendências que ninguém consegue resolver ou que tem que resolver porque tu és o responsável pela equipe e o cuidado fica por último [...]. (Enfa. 4 da Maternidade)
Às vezes, eu me sinto bem sobrecarregada, a rotina, aqui do setor da manhã, ela é bem mais puxada do que a da tarde, então, acaba tendo muito mais atividade [...]. (Enfa. 5 da Pediatria)
A gente é responsável pela organização, pela gestão, pelos cuidados, tudo, né, então, é muito grande, a demanda é sempre muito grande e nós somos muito cobrados também, a cobrança em cima da gente é muito grande [...]. (Enfa. 2 da Urgência e Emergência)
Temática 4: A falta de recursos materiais e recursos humanos como geradora de sofrimento
As enfermeiras apontam satisfação com as remunerações oferecidas pela instituição, porém, as condições materiais disponíveis e o dimensionamento de recursos humanos, para melhor realização do trabalho, acabam por interferir na qualidade da assistência, levando a uma sensação de culpa e impotência.
Eu me sinto hoje sobrecarregada, mas não é pelo número de pacientes, sabe, é pela falta de dimensionamento da instituição, então, eu noto assim: a parte assistencial, nós somos 200 e poucos enfermeiros dentro da instituição e, aqui dentro, se tu fores contar durante manhã e tarde, não dá 25 enfermeiros assistenciais, cadê essas pessoas? [...]. (Enfa.7 da Clínica Médica)
É sofrimento quando eu não tenho os equipamentos adequados pra prestar a assistência e eu sei que ele precisaria, quando eu não tenho um produto x ou y e a gente precisa pra colocar em uma lesão de pele porque a gente não tem recurso ou porque a gente não troca tanto curativo que deveria trocar cinco, mas troca duas porque não tem recurso [...]. (Enfa. 3 da Clínica Médica)
Quando questionadas sobre a remuneração oferecida, as participantes deram os seguintes relatos.
Em relação a isso, eu não tenho queixa porque eu sou concursada, o salário da Ebserh não é um salário ruim, é um salário bom, eu não tenho muito do que me queixar, até acho que sou beneficiada porque, aqui na cidade, em Pelotas, é a instituição que paga melhor. (Enfa. 5 da Pediatria)
Pensando no hospital hoje, eu fico feliz [...] eu vim de outro hospital e eu recebia um terço do que eu recebo aqui e trabalhava bem mais; aqui, tu fica responsável por doze leitos e tem setores que tu fica responsável em outros hospitais por quarenta pacientes. (Enf.1 da Urgência e Emergência)
Eu me sinto bem porque era o que eu buscava, era um salário melhor [...] o que eu fico ainda insatisfeita é a função do turno e a função das 30 horas que eu acho que é um direito nosso [...] não é questão necessariamente financeira, mas facilitaria muito a nossa qualidade de vida. (Enfa. 8 da UTI)
Eu não posso reclamar nesse ponto, eu acho que é o único ponto que eu não posso reclamar, [...] por isso mesmo, o que me gera essa frustração: “Poxa, eu ganho tão bem e eu não tô conseguindo fazer nada”, e aí eu fico questionando os outros profissionais porque a pessoa ganha tão bem e não valoriza o que ganha e poderia ser muito melhor, poderia fluir muito melhor o trabalho; se houvesse a colaboração de todos, a gente teria menos demandas, poderia dar mais assistência ao paciente. (Enfa.7 da Clínica Médica)
DISCUSSÃO
Os processos de comunicação e a gestão de conflitos são temas recorrentes na prática da enfermeira. Frequentemente, esse processo é prejudicado nas relações entre equipes multiprofissionais, tanto por existirem relações interpessoais de difícil manejo quanto por desencontros de escalas. Portanto, situações, como agressões verbais, hostilidade, humilhação e comportamentos agressivos, são experiências de enfermeiras que acabam por ser submetidas a tais violências psicológicas.4
As relações hierárquicas, que estruturam ambientes hospitalares, também influenciam o processo de comunicação e colocam em questão o bem-estar e a autonomia da trabalhadora. Enfermeiras assistenciais, por ocuparem um lugar de submissão em relação às gerenciais, por exemplo, não possuem tanta liberdade de expressão e escuta de suas questões. Essas barreiras podem levar a um adoecimento ou até mesmo à reprodução de frustrações por meio de violências e assédios, o que pode repercutir negativamente no processo de cuidado prestado por essas profissionais.12
Vale salientar a avaliação das condições estressantes a que são submetidas as enfermeiras, pois essas situações, isoladamente, não são as únicas responsáveis pelo sofrimento da profissional; é importante considerar a capacidade de interpretação subjetiva que as profissionais possuem em relação às situações. O reconhecimento de seu trabalho, o relacionamento com a equipe e a promoção de um ambiente seguro para a expressão de ideias e subjetividades favorecem uma interpretação de contexto mais saudável.7
Alguns procedimentos podem ser adotados pela instituição para auxiliar os processos de comunicação, como, por exemplo, capacitações e treinamentos em comunicação efetiva, que usa técnicas que auxiliam a equipe a comunicar-se de forma assertiva, sem acusações, com respeito e escuta. Esta técnica também é considerada uma medida de segurança do paciente.12
Foi demonstrado um crescente aumento de sobrecarga emocional e, por meio dos relatos, evidenciou-se que o trabalho da enfermeira vai além da realização de técnicas. É um trabalho que está intimamente relacionado com a dor e a morte. Devido ao contato direito com a paciente, a enfermeira absorve grande parte de uma carga emocional, que pode contribuir para o seu adoecimento, desgaste emocional, desenvolvimento de quadros de ansiedade, insatisfação profissional, depressão e Burnout.5
O estresse ocupacional, dentro dos cuidados paliativos, foi um fenômeno motivador de sentimento de impotência. São diversos os sintomas de sofrimento entre as profissionais que lidam com a morte. Dialogar sobre seus medos, crenças e entendimento de morte como inerente ao ciclo de vida pode diminuir a sensação de fracasso nesses casos.13
Em áreas como a Pediatria e a Emergência, por exemplo, a dificuldade de trabalhar com os sentimentos gerados pela proximidade da dor sentida por aquele que é cuidado foi citada como um fator de risco para as profissionais. Esse vínculo é importante para amenizar a divergência entre as necessidades imediatas da profissional de saúde, que é primordialmente a estabilização de uma situação fisiológica irregular, e a necessidade de pacientes e familiares, descrita como acolhimento, sensibilidade e participação no caso. É importante considerar alguns tópicos fundamentais: a aceitação, a empatia e envolvimento emocional necessários para a relação terapêutica entre enfermeiras e pacientes.13-15
Nas entrevistas, foi utilizado o termo “empatia” ao se referir à relação enfermeiras-pacientes. Além de o termo ter sido utilizado para referir-se a tal conceito, entende-se que a empatia não é o fator de desgaste em si, mas sim a dificuldade de estabelecê-la com qualidade, segurança e tempo. Isso deve-se, muitas vezes, à dinâmica e às condições de trabalho, que impossibilitam o acompanhamento integral do sujeito cuidado. Essa ideia é reforçada quando analisada por meio da perspectiva de gênero, pois foi queixa frequente nas mulheres entrevistadas e sendo este fator predominante na profissão da Enfermagem em geral.
Ressalta-se a presença de duplas ou triplas jornadas de trabalho impactando as mudanças fisiológicas (redução da resposta imune) e comportamentais (redução das horas de sono), corroborando estudos que apontaram os prejuízos que jornadas superiores a 30 horas semanais produzem como: desgaste emocional e aumento de absenteísmo.16
O ambiente hospitalar apresenta exigências complexas em relação ao profissional de Enfermagem, solicitando que este execute atividades assistenciais, administrativas, sociais, entre outras. As diferentes exigências acabam por sobrecarregar a rotina desse profissional, repercutindo, inclusive, na redução do tempo de lazer, contribuindo para o aumento da sobrecarga emocional no trabalho.7
A enfermeira tende a buscar o aprimoramento de sua atuação quando executa atividades que lhe trazem mais satisfação pessoal. É cobrado, da profissional, o desempenho de diferentes funções simultaneamente e algumas acabam por sobressair-se sobre outras. Os reposicionamentos de recursos humanos, feitos de maneira abrupta entre setores, podem levar a um prejuízo no cuidado e ao adoecimento profissional. Isso acaba por exigir, da enfermeira, uma figura multifuncional, fragilizando, assim, sua potência assistencial. Tal condição leva a uma sobrecarga física e psicológica, pois é por meio da prática profissional produtora de sentido que a profissional transfere seus conhecimentos, supervisiona a evolução do trabalho em equipe e aproxima-se do cerne do ambiente hospitalar, que é o paciente.1
A sobrecarga de trabalho também foi citada pelas entrevistadas da unidade de Urgência e Emergência. O risco de vida, frequentemente presente nesse setor, manifestou-se por meio do sentimento de angústia nas profissionais. Tal sintoma corrobora com outra pesquisa, que apresentou os sentimentos adoecedores multifatoriais nesse ambiente, que vão para além da gravidade dos casos, mas incluem a superlotação dos serviços, levando ao excesso de trabalho, à insegurança causada tanto pela falta de insumos suficientes, tanto para a proteção quanto para a realização de procedimentos, além de ser atravessados por problemas interpessoais entre a equipe.17
Um ponto importante que vai ao encontro do estudo realizado em outro município do mesmo Estado é a satisfação com a remuneração. As entrevistadas mostraram-se satisfeitas com o salário atual, principalmente se comparado ao de outras instituições do município, e isso, vinculado a boas condições de trabalho, é um fator de satisfação e prevenção de adoecimento, pois elas podem se dedicar exclusivamente a um trabalho. Mesmo com esse apontamento, foi salientada a necessidade de reformulação da carga horária da profissional, que atualmente vem tramitando no Congresso por meio do Projeto de Lei nº 2295/2000 para se tornar um direito da classe.18
Os diferentes vínculos trabalhistas existentes em um mesmo ambiente de trabalho podem aumentar as tensões como visto nas entrevistas. O contrato de trabalho, pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), oferece diferentes direitos trabalhistas como a carga horária, a remuneração, as licenças, entre outros. Essa diferença impacta a luta pelos direitos trabalhistas das categorias por conta das fragmentações dos direitos e deveres.19
Diferentes tipos de vínculos empregatícios ocasionaram inúmeros conflitos no trabalho devido aos gastos com profissionais adoecidas, que geram altos custos para as instituições. Assim, cabe maior atenção aos sinais e sintomas das profissionais. A oferta de assistência de baixa qualidade alimenta o ciclo negativo de adoecimento do profissional e, para romper essa dinâmica, a instituição precisa conscientizar-se sobre a sua responsabilidade para com a profissional contratada. Deve-se valorizar e promover estratégias de promoção de saúde da trabalhadora também fora do ambiente hospitalar, como a prática de exercícios, a cultura e o lazer, criando uma vida com sentido e diminuindo os impactos causados pelo ritmo acelerado de vida.2,17
Para melhorar as condições de trabalho em saúde no geral, a valorização da enfermeira é fundamental. O movimento Nursing Now propõe ações como o investimento em formação e a contratação de 5,9 milhões de profissionais da Enfermagem, o controle de migração dos profissionais, uma formação com ênfase na atenção primária e a capacitação para ocupar espaços políticos e de lideranças e promover a equidade de gênero por meio do reconhecimento e da garantia de direitos da mulher.8,15 No contexto brasileiro, o Projeto de Lei nº 2295/2000, que regulamenta a jornada dos profissionais de Enfermagem em 30 horas semanais desde 2000, segue em tramitação no Congresso. Este direito, já alcançado por outras profissões, ainda segue como luta para Enfermagem, assim como a proposta de um piso salarial digno para as enfermeiras.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A descrição realizada por enfermeiras que atuam em um hospital geral no Sul do Brasil demonstra que diferenciados fatores de risco vivenciados no processo de trabalho estão contribuindo para o desenvolvimento do sofrimento psíquico destas trabalhadoras. Entre estes, incluem-se a dificuldade de comunicação e a relação interpessoal conflituosa entre a equipe e com outros profissionais; a proximidade com a dor do outro como fator de risco para o sofrimento psíquico; a sobrecarga de trabalho da enfermeira hospitalar frente às demandas de gestão da unidade e gestão do cuidado e a falta de recursos materiais e humanos.
Os dados apontam que o fazer da enfermeira está diretamente ligado ao envolvimento e ao comprometimento com a instituição e com a profissão. Esse comprometimento, em oferecer um cuidado integral que atenda às necessidades em saúde apresentadas pelas pessoas em processo de hospitalização, em um contexto potencialmente adoecedor, tendo em vista os diversos fatores de riscos discutidos, demonstra a necessidade de as instituições hospitalares buscarem estratégias para o enfrentamento dessa realidade. Nesse sentido, é válido reforçar a importância de ações que foquem na minimização desses riscos e no manejo adequado das situações emergentes, como espaços em que possam ser compartilhadas as dificuldades frente aos casos e às vivências de morte, às perdas, as dificuldades de relacionamento na equipe, a relação com os acompanhantes e as estratégias de melhorias nas condições de trabalho de modo a minimizar o sofrimento psíquico das enfermeiras.
Por fim, advoga-se a importância da incorporação dos preceitos da humanização para todas as pessoas envolvidas no processo de cuidado de modo que se possa qualificar o processo de trabalho no âmbito hospitalar. É necessária a implementação de uma comunicação saudável entre paciente, família e a equipe assistencial de modo a qualificar as relações, promovendo a saúde mental e a valorização profissional.
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Recebido em: 27/01/2021
Aceito em: 26/01/2022
[1] Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Pelotas, Rio Grande do Sul (RS). Brasil (BR). E-mail: sharonfabress@live.com ORCID: 0000-0002-3660-2818
[2] Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Pelotas, Rio Grande do Sul (RS). Brasil (BR). E-mail: janainaqwill@yahoo.com.br ORCID: 0000-0001-7427-9305
[3] Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS). Rio Grande, Rio Grande do Sul (RS). Brasil (BR). E-mail: roberta.machado@riogrande.ifrs.edu.br ORCID: 0000-0002-9087-6457
[4] Prefeitura Municipal de Pelotas (PMP). Pelotas, Rio Grande do Sul (RS). Brasil (BR). E-mail: etimenezes@gmail.com ORCID: 0000-0003-3968-7260
[5] Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Pelotas, Rio Grande do Sul (RS). Brasil (BR). E-mail: karolgermano@gmail.com ORCID: 0000-0001-9547-3393
[6] Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas (HE-UFPEL). Pelotas, Rio Grande do Sul (RS). Brasil (BR). E-mail: angel.enf75@gmail.com ORCID: 0000-0001-6703-8319
[7] Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Pelotas, Rio Grande do Sul (RS). Brasil (BR). E-mail: kantorskiluciane@gmail.com ORCID: 0000-0001-9726-3162
Como citar: Fabres SC, Willrich JQ, Machado RA, Menezes ES, Germano KS, Fagundes AT, et al. Fatores de risco para sofrimento psíquico no processo de trabalho de enfermeiras hospitalares. J. nurs. health. 2022;12(2):e2212220530. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/enfermagem/article/view/20530
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