ARTIGO ORIGINAL

Discursos de mulheres e de profissionais de saúde sobre amamentação adotiva

Speeches of women and health professionals about adoptive breastfeeding

Discursos de mujeres y profesionales de la salud sobre la lactancia materna adoptiva

Nunes, Bruna Ruana da Silva[1]; Melo, Mônica Cecília Pimentel de[2]; Morais, Sílvia Raquel Santos de[3]; Matos, Khesia Kelly Cardoso[4]

RESUMO

Objetivo: analisar os discursos de mulheres que desejam adotar uma criança e dos profissionais de um banco de leite do nordeste brasileiro acerca do processo de amamentação. Método: estudo qualitativo, exploratório e descritivo, sob o enfoque da Teoria do Amadurecimento Pessoal, com três mulheres pretendentes à adoção e 13 profissionais de saúde, através de entrevistas semiestruturadas, tratadas pela Análise de Discurso. Resultados: há uma lacuna no que se refere à propagação de conhecimentos sobre a temática, pois é diluída no contexto da relactação. Esse processo, além das técnicas, requer motivação da mãe. Conclusões: a falta de capacitação dos profissionais e maior propagação da possibilidade da lactação adotiva se apresentam como desafios a serem superados, sugerindo-se que o tema seja abordado nos cursos de formação para pais e profissionais de saúde.

Descritores: Aleitamento materno; Adoção; Bancos de leite; Saúde da mulher; Pessoal de saúde

ABSTRACT

Objective: to analyze the speeches of women who wish to adopt a child and the professionals of a Milk Bank in northeastern Brazil about the breastfeeding process. Method: qualitative, exploratory and descriptive study, based on the Theory of Personal Maturation, with three women seeking adoption and 13 health professionals, through semi-structured interviews, treated by Discourse Analysis. Results: there is a gap with regard to the spread of knowledge on the subject, as it is diluted in the context of the relactation. This process, in addition to the techniques, requires motivation from the mother. Conclusions: the lack of training of professionals and the greater spread of the possibility of adoptive lactation present themselves as challenges to be overcome, suggesting that the topic be addressed in training courses for parents and health professionals.

Descriptors: Breast feeding; Adoption; Milk banks; Women's health; Health personnel

RESUMEN

Objetivo: analizar los discursos de mujeres que desean adoptar un niño y los profesionales de un Banco de Leche en el noreste de Brasil sobre el proceso de lactancia materna. Método: estudio cualitativo, exploratorio y descriptivo, basado en la Teoría de la Maduración Personal, con tres mujeres en busca de adopción y 13 profesionales de la salud, mediante entrevistas semiestructuradas, tratadas por Análisis del Discurso. Resultados: existe una brecha en cuanto a la difusión del conocimiento sobre el tema, ya que se diluye en el contexto de la relactación. Este proceso, además de las técnicas, requiere de la motivación de la madre. Conclusiones: la falta de formación de los profesionales y la mayor difusión de la posibilidad de la lactancia adoptiva se presentan como retos a superar, sugiriendo que el tema sea abordado en cursos de formación para padres y profesionales de la salud.

Descriptores: Lactancia materna; Adopción; Bancos de leche; Salud de la mujer; Personal de salud

INTRODUÇÃO


A importância da amamentação tem sido amplamente divulgada por estudos científicos, destacando-a como forma ideal de alimentação da criança, uma vez que esta apresenta inúmeros benefícios, entre eles, a proteção contra doenças, a promoção do crescimento e do desenvolvimento cognitivo do bebê, além de favorecer o vínculo afetivo entre mãe e filho.1-2

O ato de amamentar, muitas vezes, é visto sob uma visão reducionista que o observa a partir da perspectiva biológica. No entanto, apesar de parecer instintivo, tal prática engloba dimensões culturais, sociais e históricas que a influenciam diretamente e estão associados ao sucesso da amamentação. Observa-se, então, que o Aleitamento Materno (AM) se constitui como um elemento híbrido, biologicamente determinado e sócio culturalmente condicionado.3

Nesse sentido, segundo a Teoria do Amadurecimento Pessoal, proposta por Winnicott4 além da oferta do leite, há o espaço para trocas afetivas entre mãe e bebê, podendo estas serem, tanto positivas, quando há um cuidado envolvido; como negativas, quando dificuldades permeiam o universo da mãe. Assim, não é simplesmente a ingestão do leite materno que se apresenta como componente importante para o desenvolvimento psicológico, O ato de amamentar caracteriza-se ainda como um dos primeiros contatos do bebê com a realidade externa, na qual a mãe assume o papel de primeira representante. Winnicott afirma ainda que há possibilidade de pessoas obterem o desenvolvimento pleno, sem a experiência da amamentação, uma vez que existem outras maneiras de contato físico íntimo entre o binômio mãe-bebê. 4

O aleitamento materno, a lactação e a amamentação, apesar de frequentemente serem colocados como sinônimos, estes se diferenciam do ponto de vista científico. O primeiro se caracteriza como qualquer forma da criança receber o leite humano, seja ele proveniente ou não de sua genitora, enquanto que a lactação se refere aos aspectos fisiológicos da produção de leite após o parto. Já a amamentação engloba aspectos psico-sócio-culturais, em que o bebê suga o peito oferecido pela nutriz. Dessa forma, é importante ressaltar que a produção de leite não se restringe a mulheres que passam pela experiência da gravidez, pois é possível, através da lactação induzida, amamentar um filho adotivo do mesmo modo que se amamenta um filho biológico.5-6

Na lactação adotiva, além da vontade associada a aspectos motivacionais, é importante o acompanhamento de profissionais de saúde com conhecimentos específicos sobre a temática, já que o uso de medicamentos e a estimulação correta e frequente das mamas, através de massagens e ordenha, apresenta-se como peça fundamental nessa engrenagem. Tais procedimentos se fazem necessários porque as mamas dessas mulheres não foram devidamente estimuladas, do ponto de vista hormonal, para a lactação. Os medicamentos, chamados de galactagogos, que devem ser prescritos pelo médico, estimulam a secreção de prolactina, objetivando inicar ou manter uma quantidade adequada de produção de leite. A metoclopramida é o medicamento mais utilizado nestes casos.6-8

É importante que mulheres que desejam fazer a lactação adotiva sejam encaminhadas para os Bancos de Incentivo ao Aleitamento Materno/Bancos de Leite Humano (BIAMA/BLH), já que os profissionais destas instituições estão devidamente preparados para apoiá-las e assisti-las nesse processo. Os BIAMAS desempenham importante função de facilitar, apoiar e incentivar o aleitamento materno, atuando também na coleta, processamento e distribuição do leite humano ordenhado. Os profissionais de saúde, em geral, exercem papel fundamental na amamentação, devendo aliar os conhecimentos e habilidades técnicas adquiridas, com aspectos emocionais, socioeconômicos, culturais e familiares que circundam o fenômeno para muitas mulheres.2,9

As Varas da Infância e da Juventude são os órgãos responsáveis pelo processo de adoção. Neste contexto, existem inúmeras questões jurídicas e sociais, que se preocupam, sobretudo, com o bem-estar da criança e da família. Em 2008 foi criado o Cadastro Nacional de Adoção (CNA), caracterizado como uma ferramenta para auxiliar os juízes das varas da infância e juventude nos processos de adoção, visando agilizá-los através do mapeamento de informações unificadas. O CNA é um banco de dados nacional, que contém informações de crianças e adolescentes que estão aptos para adoção, bem como, pessoas que pretendem e são consideradas habilitadas para adotar uma criança ou um adolescente.10

A aprovação da Lei Federal nº. 10.421, de 15 de abril de 2002, considerada um grande avanço, assegurou às mães adotivas os mesmos direitos de licença-maternidade das mães biológicas, a partir do pagamento do salário-maternidade e do direito de afastamento das atividades profissionais, variando de acordo com a idade do infante, o que favorece a proteção social à mulher e constitui-se como um incentivo a adoção.11

Diante do exposto, partiu-se do pressuposto de que, ainda que pouco divulgado, existe a possibilidade de uma mulher, mesmo sem passar pela experiência da gravidez, amamentar o seu filho adotivo, surgindo a seguinte questão de pesquisa: Quais os discursos que emergem de mulheres pretendentes à adoção e dos profissionais de saúde do BIAMA sobre o processo de amamentação de filhos adotivos? Assim, o objetivo desse estudo foi analisar os discursos de mulheres que desejam adotar uma criança e dos profissionais de um banco de leite do nordeste brasileiro acerca do processo de amamentação.

MATERIAIS E MÉTODO

Trata-se de um estudo com abordagem qualitativa, do tipo exploratório e descritivo.12-13 Obteve-se como suporte a Teoria do Amadurecimento Pessoal, proposta por Winnicott.4 Os locais de estudo compreenderam campos distintos: a Vara Regional da Infância e Juventude da 18ª Circunscrição e o BIAMA/BLH do Hospital Dom Malan – Gestão Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira, referência em aleitamento materno na região do Vale do Submédio São Francisco, ambos localizados na cidade de Petrolina, Pernambuco (PE).

Participaram do estudo, no período compreendido entre maio a julho de 2014, três mulheres pretendentes à adoção e todas as 13 profissionais de saúde do BIAMA, sendo 10 técnicas de enfermagem, uma médica, uma enfermeira e uma psicóloga. Os critérios de inclusão adotados para o lócus da Vara da Infância foram mulheres pretendentes que estivessem na fila de espera para adoção, ativas no sistema e aptas para adoção, inseridas no CNA pela Vara Regional da Infância e Juventude da 18ª Circunscrição de Petrolina/PE e que aceitassem participar do estudo.

Referente ao BIAMA, elegeu-se ser profissional de saúde do quadro funcional que prestassem apoio direto às mulheres, acerca da amamentação, em ações de consulta, aconselhamento e educação em saúde. A amostra se apresentou do tipo não-probabilística e intencional e a técnica para interrupção da captação amostral foi realizada por exaustão.12

A coleta do material empírico deu-se a partir da aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética e Deontologia em Estudos e Pesquisas da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), sendo o mesmo registrado sob o nº 0016/130514, em 20 de maio de 2014.

As colaboradoras que contemplaram os critérios de elegibilidade e aceitaram participar da pesquisa, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias. Elas foram identificadas pelas nomenclaturas BIAMA e VARA, de acordo com cada lócus, seguido pelo número cardinal que foi determinado conforme a ordem da realização das entrevistas.

Com o grupo das mulheres que pretendiam adotar uma criança, o contato foi realizado inicialmente por uma das psicólogas da Vara da Infância e Juventude da 18ª Circunscrição – Petrolina/PE, durante os dias 27 e 28 de maio de 2014, período em que havia oito mulheres ativas no CNA, adicionadas por essa vara. A profissional supracitada apresentou os objetivos da pesquisa através de contato telefônico e perguntou sobre a possibilidade destas em participar do estudo. Desta forma, três mulheres aceitaram participar. Faz importante destacar que a adesão das mulheres foi pequena devido ao possível sofrimento psíquico gerado pela pesquisa, pois a adoção pode estar atrelada ao fato de não poder engravidar.

Os instrumentos para a realização do estudo constaram da utilização de entrevistas semiestruturadas e individuais com as mulheres pretendentes, na qual, duas foram realizadas no Centro de Estudos e Práticas em Psicologia da UNIVASF e uma no ambiente profissional da participante. Já as entrevistas com os profissionais de saúde ocorreram no próprio BIAMA, em local reservado e livre de ruídos e interferências externas.14

O roteiro de entrevista para as mulheres apresentou questões de identificação como idade, cor, escolaridade, renda familiar, estado civil, religião e quantidade de filhos, acompanhadas de duas questões norteadoras: Você sabia da possibilidade de amamentar, mesmo sem nunca ter engravidado? Se for possível, você desejaria amamentar o seu filho adotivo? Fale-me sobre isso.

Por conseguinte, o roteiro com os profissionais do BIAMA, constou também de questões de identificação como idade, tempo de atuação no setor e capacitação em aleitamento materno seguidas de algumas questões disparadoras, sendo: O que você entende por lactação adotiva? Na sua formação profissional, foi mencionada a possibilidade dessa técnica? Você, enquanto profissional de saúde, já participou alguma vez do processo de lactação adotiva? Como foi essa experiência? Na sua opinião, quais são as ações que podem ser desenvolvidas pelos profissionais de saúde para o sucesso desse processo?

As entrevistas tiveram o seu áudio gravado através de aparelho celular e foram analisadas a partir da técnica da Análise de Discurso. Tal análise, a qual, só é possível a interpretação qualitativa, caracteriza-se por buscar compreender o sentido das palavras, considerando que o sujeito histórico transmite, a partir de seu discurso, a sua ideologia. Pode-se afirmar que a análise de discurso é composta por três elementos: ideologia, história e linguagem.15 Durante a transcrição foram realizadas correções ortográficas e de vícios de linguagem, não alterando o sentido dos discursos.

Compreende-se por ideologia o posicionamento do indivíduo quando este se associa a um discurso, enquanto que a história se refere ao contexto sócio-histórico e a linguagem representa a materialidade do texto. Nesse tocante, o discurso é visto como a palavra em movimento, em que a partir do estudo do discurso, observa-se o homem falando, abarcando os valores simbólicos da linguagem.15

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Participaram desse estudo 13 profissionais e três candidatas à adoção, conforme descrito no Quadro 1.

 

Quadro 1: Caracterização das participantes do estudo

Participantes

Profissional de saúde

Candidata à adoção

Biama 1, 49 anos, há 03 anos no BIAMA, capacitada em AM

x

 

Biama 2,32 anos, há 01 ano e 9 meses no BIAMA, capacitada em AM

x

 

Biama 3, 30 anos, há 03 meses no BIAMA, capacitada em AM

X

 

Biama 4, 29 anos, há 04 anos no BIAMA, capacitada em AM

x

 

Biama 5, 26 anos, há 03 anos no BIAMA, capacitada em AM

x

 

Biama 6, 27 anos, há 05 meses no BIAMA, capacitada em AM

X

 

Biama 7, 40 anos, há 03 anos no BIAMA, capacitada em AM

X

 

Biama 8, 31 anos, há 02 meses no BIAMA, não capacitada em AM

x

 

Biama 9, 39 anos, há0 2 anos no BIAMA, capacitada em AM

x

 

Biama10, 53 anos, há 03 anos no BIAMA, capacitada em AM

x

 

Biama 11,27 anos, há 02 anos no BIAMA, capacitada em AM

x

 

Biama 12, 57 anos, há 19 anos no BIAMA, capacitada em AM

x

 

Biama 13, 24 anos, há 01 ano e 4 meses no BIAMA, capacitada em AM

x

 

Vara 01, 41 anos, branca, fundamental incompleto, 01 a 03 salários mínimos, união consensual, católica, sem filhos

 

x

Vara 02, 49 anos, branca, superior completo, 11 a 20 salários mínimos, casada, católica, 01 filho biológico

 

x

Vara 03, 54 anos, parda, superior completo, 11 a 20 salários mínimos, solteira, espírita, sem filhos

 

x

Fonte: elaborada pelos autores, 2014.

Assim, a seção de resultados foi dividida em duas categorias empíricas, organizadas de acordo com a proximidade do tema e do objetivo proposto, a partir dos discursos mais significativos do estudo, os quais são apresentados por meio das categorias: Enfrentamentos dos profissionais de saúde sobre a temática e Suporte necessário às mulheres.

Enfrentamentos dos profissionais de saúde sobre a temática

Essa categoria expõe os principais achados no que se refere à aproximação das profissionais com a questão da amamentação adotiva, exemplificadas nos discursos.

Os cursos que a gente teve, é um tema que não é abordado. (Biama 11)

Acho que um curso que teve aqui, falaram muito pouquinho [...]. (Biama 5)

Quando a gente faz o treinamento, se fala sobre a relactação ou lactação adotiva. (Biama 12)

Sobre a formação profissional questionou-se se os profissionais haviam recebido alguma orientação ou capacitação acerca da amamentação adotiva, sendo que as profissionais afirmaram que é um tema pouco discutido ou, até mesmo, não abordado nos cursos, como se pode observar nos relatos.

Evidencia-se que há uma lacuna no que se refere à propagação de conhecimentos sobre a temática, uma vez que é importante que os profissionais de saúde possam oferecer esclarecimentos acerca da possibilidade da amamentação adotiva, levando em consideração que tal prática favorece, entre outros benefícios, o fortalecimento do vínculo entre mãe e filho.16-18

Desse modo, percebe-se ainda, a partir dos discursos, que a amamentação de filhos adotivos é um assunto diluído na temática da relactação, que é um termo utilizado para as mulheres que já passaram pela experiência da gestação e desejam produzir leite novamente.19 A diferença é que na lactação adotiva, a mulher não precisa, necessariamente, ter passado pelo período gestacional. Essa aproximação se deve por ambos serem processos induzidos.19

A amamentação adotiva requer um apoio profissional constante, entretanto, verifica-se, a partir dos depoimentos das profissionais do BIAMA, que na experiência formativa e nos cursos realizados, em sua maioria, não se caracterizam como capacitores a fim de preparar a equipe para lidar com situações que fogem do padrão parto-amamentação.16,19

[...] eu recebi no momento em que a gente se debateu com a situação. (Biama 1)

Um estudo com mulheres que amamentaram seus filhos adotivos, afirma que o apoio dos profissionais nessa prática poderá contribuir para a identificação de dificuldades e superações enfrentadas pelas mães adotivas, a fim de oferecer assistência para outras mulheres que vierem a se deparar com a mesma situação.19

A carência na formação dos profissionais de saúde no que se refere à lactação adotiva permeou os depoimentos das entrevistadas do BIAMA, na qual, consideraram relevante a aquisição de conhecimentos e discussões acerca do tema, para que possam cumprir com o seu papel na promoção e apoio ao aleitamento materno e, com isso, contribuir de maneira significativa no estabelecimento de vínculo da criança com a sua mãe adotiva.4. Pode-se inferir, portanto, nessa análise, que os profissionais não contam com adequado suporte para lidar com a amamentação adotiva.

Suporte necessário às mulheres

Os depoimentos das profissionais corroboram com a ideia de que a amamentação pode ser estimulada, independente da experiência da gravidez. Além disso, destacaram que não há distinção de tratamento entre às mães biológicas e adotivas.

[...] qualquer mãe pode amamentar, porque estimulou, independente dela ter parido ou não. (Biama 1)

A gente vai tratar igual às outras mães, levar o bebezinho no peito, ensinar como elas tem que colocar [...]. (Biama 2)

[...] estimular o seu próprio seio e com isso, através do estímulo, ela pode sentir e pode é... chegar à produção de leite, [...]. (Biama 8)

A técnica empregada pelos profissionais na lactação adotiva é a mesma da relactação, que consiste na utilização de uma sonda, em que a extremidade com orifícios fica no mamilo e a outra em um recipiente com o leite materno ou fórmula láctea industrializada. Desse modo, ao mesmo tempo em que o bebê se alimenta, estimula a produção de leite através da sucção da mama.18

Nessa perspectiva, o discurso de uma mulher pretendente à adoção revela o desconhecimento sobre a temática da amamentação adotiva, assim como, das técnicas utilizadas.

[...] eu pensei, como será que vai amamentar uma criança adotiva? [...] eles devem doar um copinho para gente dar leite a ele [...] leite materno (risos). (Vara 01)

As mulheres que manifestaram saber da possibilidade de amamentar um filho adotivo apresentaram alguns questionamentos no que se refere à realização dessa prática no período da menopausa.

[...] eu li alguma coisa, vi que era possível, [...] até porque eu sei que é a questão da prolactina que é incentivada [...]. (Vara 02)

[...] eu sei que pode haver essa indução para que haja a amamentação, mas eu não sei se no caso de uma mulher já em menopausa, como é o meu caso, se é possível [...]. (Vara 03)

[...] na minha idade, já estou chegando aos 50 anos [...]. (Vara 02)

Vale salientar que a gestação após os 35 anos de idade é considerada tardia e apresenta-se como de alto-risco, podendo apresentar complicações maternas, obstétricas e intercorrência perinatal.20 Na literatura não foram encontrados estudos que abordam aleitamento materno, de maneira geral, na fase da menopausa.

Nessa perspectiva, as profissionais de saúde relataram o emprego dos procedimentos utilizados e as experiências com amamentação adotiva no BIAMA, conforme depoimentos a seguir.

[...] aqui tem o apoio, a gente dá orientação e tudo [...]. (Biama 3)

[...] você faz com a sonda para ter o estímulo. [...]. É com a sucção dele. Quanto mais ele mama, mais vem à produção do leite. (Biama 4)

[...] uma mãe manifestou esse desejo e ela ficou durante 15 dias sendo acompanhada no BIAMA, e a partir daí, ela começou a produzir colostro [...]. (Biama 12)

[...] já houve casos sim, com bastante êxito de mulheres que pretendiam adotar, adotaram crianças e tiveram essa estimulação e teve sucesso. (Biama 13)

A amamentação adotiva é um processo que além das técnicas, a motivação da mãe se apresenta como indispensável, uma vez que não se caracteriza como uma ação mecanizada, mas como uma prática que requer, além de procedimentos, fatores psicoafetivos entre mãe e filho, em que todos, em conjunto, serão fundamentais para o sucesso da lactação adotiva.4,16 Neste sentido, as profissionais destacaram ainda o emprego dos procedimentos aliados aos investimentos emocionais da mãe adotiva.

[...] se tiver estímulo, vai ter sim. Vai da força de vontade, dos hormônios da pessoa. [...] existem medicações que podem ajudar na amamentação, métodos também que a gente usa aqui [...]. (Biama 10)

[...] depende muito mais dela do que de nós, porque se ela estiver insegura, se ela não quiser, [...] não vai iniciar um ciclo de produção de leite. (Biama 12)

É sabido que a amamentação se apresenta como fator de proteção ao câncer de mama, uma vez que quando realizada de forma exclusiva, diminui a exposição da lactante ao estrogênio endógeno, impedindo o retorno da menstruação.20 Por outro lado, o histórico familiar, menopausa tardia, uso de contraceptivo oral, menarca precoce, entre outros, estão entre os fatores de risco para a ocorrência desse câncer, que é o mais frequente entre o sexo feminino.21

Em sentido contrário, uma das participantes do grupo de mulheres pretendentes à adoção revelou preocupação em realizar a lactação adotiva, com receio de que o processo, do ponto de vista hormonal, pudesse desencadear riscos para a ocorrência de câncer de mama, tendo em vista o histórico da doença no seio familiar, como pode ser observado em seu depoimento a seguir.

[...] minha irmã, mais velha do que eu, teve câncer de mama e como não tinha nenhum caso na família, o médico acredita que houve um descontrole hormonal. Então, estimular a amamentação vai requerer toda uma questão de hormônios. [...] eu prefiro não participar desse processo [...]. (Vara 02)

Ressalta-se que não foi encontrado na literatura se a amamentação como fator de proteção ao câncer de mama se estende a mulheres que tiveram a lactação induzida com galactagogos medicamentosos e estímulos mecânicos como massagens e sucção indutora através da sonda.

Por outro lado, sabe-se que a amamentação se apresenta como fator de risco de transmissão do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) em mães infectadas, sendo, portanto excluído o aleitamento materno nesses casos específicos.22-24 Nesta perspectiva, o depoimento da profissional a seguir demonstra a preocupação em fornecer todo o apoio laboratorial de detecção de doenças maternas, especificamente, HIV, para se proceder com segurança à lactação adotiva, para fins de fornecimento de um leite materno confiável ao bebê.

[...] ver os exames, tudo direitinho. Fazem todos aqui, o laboratório vem coletar aqui no BIAMA mesmo, qualquer hora. (Biama 6)

Ainda sobre as experiências com a amamentação adotiva, as profissionais afirmaram como se sentiram ao contribuir com o processo, enfatizando a compensação tanto para elas, quanto para as mães.

Por meio da translactação[...] a criança vai sentindo o leite chegando, acha que está saindo do peito da mãe vai sugando, aí, começa a estimular o peito. [...] foi emocionante para todo mundo, [...] e para ela principalmente, quando viu a criança sugando. Acho que um curso que teve aqui, falaram muito pouquinho [...]. (Biama 5)

Veio uma mãe, ela tinha adotado um bebê e ela queria amamentar, [...]. A gente fez os procedimentos [...] e ela conseguiu. [...] ela ficou muito feliz porque conseguiu [...]. Eu me senti feliz em saber também que o trabalho da gente aqui, contribuiu para isso. (Biama 7)

A gente vai sentir mais prazer de estimular, [...] porque ela que vai dar amor, dar carinho para aquela criança [...]. (Biama 9)

Embora não seja uma descoberta recente, a amamentação adotiva ainda é pouco discutida e explorada no meio científico.18-19 Na realidade é uma prática pouco realizada, portanto, são situações raras de se ver, como pode ser notado nos relatos.

Esses dois anos e quase três que eu estou aqui, eu só vi dois casos. (Biama 11)

[...] isso tem mais ou menos por volta de 13, mais ou menos, anos [...]. (Biama 12)

Levando em consideração todos os benefícios advindos da amamentação, a equipe de saúde deve além de apoiar, incentivar tal prática, não somente às mães biológicas, mas também às mães de filhos adotivos.18

Sobre esses benefícios, o discurso destaca o favorecimento do estabelecimento do vínculo afetivo entre mãe e filho.

[...]se ela tiver alguma dificuldade de se vincular àquele filho adotivo por não ser uma mãe biológica, pela amamentação esse vínculo pode ser muito mais fortalecido. [...] só o fato dela ter aquele filho em contato de pele com ela, sentir ele sugando o peito dela, [...] então, isso aí, já é muito forte e eu acho que isso já basta para ela [...]. (Biama 12)

Fica evidente, a partir dos depoimentos, que as profissionais conhecem a possibilidade de amamentar, independente da gravidez, e admitem que não é uma prática comum, uma vez que são poucos os casos sabidos. Estas reconhecem ainda que a realização desta prática favorece o estabelecimento do vínculo com o filho adotivo e avaliam as experiências, que tiveram oportunidade de oferecer suporte, como positivas. Nos discursos das mulheres que desejam adotar uma criança, pode-se perceber que ou se desconhece essa possibilidade ou o conhecimento é superficial, já que estas apresentaram questionamentos quanto aos procedimentos empregados ou a sua realização aliada a outras condições como, por exemplo, ao período da menopausa.

Verifica-se, nessa categoria, que o suporte oferecido pelos profissionais e o conhecimento sobre a temática pela comunidade é construído a partir de experiências com a prática da lactação adotiva, uma vez que não se observam estudos científicos que se dedicam a este assunto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa se mostrou relevante haja vista que se investigaram os discursos de mulheres que estão na fila de adoção sobre a possibilidade de amamentar um filho adotivo da mesma forma que se amamenta um filho natural, mesmo que esta não tenha experimentado as transformações mamárias advindas com a gestação, aliados aos discursos dos profissionais de saúde do BIAMA.

Do ponto de vista da promoção de saúde e prevenção de doenças, nota-se, portanto, que a promoção da amamentação adotiva se apresenta de modo positivo para todas as partes envolvidas, uma vez que o profissional de saúde estará cumprindo com o papel de apoiar e incentivar o aleitamento materno, tendo consciência de todos os benefícios envolvidos. Em consonância, mães com filhos adotivos se beneficiam com fatores de proteção a doenças, como estímulo de crescimento para os bebês, além da construção do vínculo afetivo, a partir dessa prática.

Contudo, a falta de capacitação dos profissionais e uma maior propagação da possibilidade desse tipo de amamentação, se apresentam como desafios a serem superados. Com isso, se faz necessárias ações e estratégias direcionadas para essa temática específica. Nesse sentido o tema merece ser abordado na formação dos profissionais de saúde e melhor aprofundado nas capacitações, pois de acordo com os participantes, houve uma abordagem superficial, além de também ser abordado nos cursos de formação para pais pretendentes à adoção oferecidos pelas Varas da Infância.

Como fatores limitantes do estudo destaca-se a baixa adesão de mulheres adotantes em participarem e uma experiência com apenas dois casos atendidos até hoje pelo lócus, desde sua fundação. Essa limitação estende-se também ao fato de existirem poucos estudos que abordem a temática, e que se aprofunde em experiências positivas e bem sucedidas sobre esse tipo de amamentação. Ademais, recomenda-se investigar se a amamentação continua sendo fator de proteção ao câncer de mama, quando esta for induzida e que discorram acerca da possibilidade de indução do aleitamento materno frente ao processo da menopausa, pontuando-se os riscos e as vantagens.

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Data de submissão: 25/07/2020

Data de aceite: 02/04/2021

Data de publicação: 26/04/2021



[1] Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF). Petrolina, Pernambuco (PE). Brasil (BR). E-mail: brunaruana@msn.com ORCID: 0000-0001-5651-0171

[2] Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF). Petrolina, Pernambuco (PE). Brasil (BR). E-mail: monquinamelo@gmail.com ORCID: 0000-0003-4029-4886

[3] Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF). Petrolina, Pernambuco (PE). Brasil (BR). E-mail: silviamorays@yahoo.com.br 0000-0002-8077-5281

[4] Faculdade de Tecnologia e Ciências (UniFTC). Salvador, Bahia (BA). Brasil (BR). E-mail: khesia.matos@gmail.com 0000-0002-8772-8568

 

Como citar: Nunes BRS, Melo MCP, Morais SRS, Matos KKC. Discursos de mulheres e de profissionais de saúde sobre amamentação adotiva, J. nurs. health. 2021;11(2):e2111219281. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/enfermagem/article/view/19281





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