Pimentel JCS, Urtiga VLSC, Barros AS, Silva RKS, Carvalho REF, Pereira FGF. Perfil dos erros nas prescrições e no aprazamento de antibacterianos. J. nurs. health. 2020;10(3):e20103007
https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/enfermagem/article/view/18934
ARTIGO ORIGINAL
Perfil dos erros nas prescrições e no aprazamento de antibacterianos
Profile of errors in prescriptions and scheduling of antibacterials
Perfil de errores en prescripciones y programación de antibacterianos
Pimentel, Joana Carolina da Silva[1]; Urtiga, Virginia Leyla dos Santos Costa[2]; Barros, Samara Andréia de[3]; Silva, Renata Kelly dos Santos e[4]; Carvalho, Rhanna Emanuela Fontelene Lima de[5]; Pereira, Francisco Gilberto Fernandes[6]
RESUMO
Objetivo: analisar perfil dos erros de prescrição e aprazamento de antimicrobianos em uma unidade de clínica médica. Método: pesquisa observacional com 45 prontuários e 72 prescrições de uma unidade de clínica em um hospital no Piauí. A coleta foi entre setembro e outubro de 2017, por preenchimento de checklist e a análise dos dados foi descritiva. Resultados: as cefalosporinas foram a subclasse farmacológica mais prescrita, 52,8%. Os erros de prescrição mais frequentes foram de ausência de 76,4% de informações quanto ao tempo de duração do tratamento e de 93,1% da descrição da forma farmacêutica. Os erros do aprazamento registrados foram 18,6% de ordem de administração em prescrições com mais de um antimicrobiano e 11,1% de mudança de horários sem indicação terapêutica, ao longo do tratamento. Conclusão: o perfil dos erros de prescrição mais frequentes foi de inconformidades de aprazamento, sendo necessárias medidas de controle e vigilância por parte da instituição.
Descritores: Erros de medicação; Prescrições de medicamentos; Antibacterianos
ABSTRACT
Objective: to analyze the profile of prescription and scheduling antimicrobials errors in a medical clinic unit. Method: observational research with 45 medical records and 72 prescriptions from a clinical unit in a hospital in Piauí. The collection took place between September and October 2017, by completing the checklist and the data analysis was descriptive. Results: cephalosporins were the most prescribed pharmacological subclass, 52.8%. The most frequent prescription errors were the absence of 76.4% of information regarding the duration of treatment and 93.1% of the description of the pharmaceutical form. The scheduling errors recorded were 18.6% of order of administration in prescriptions with more than one antimicrobial and 11.1% of scheduling changes without therapeutic indication, throughout the treatment. Conclusion: the profile of the most frequent prescription errors was that of nonconformities with the scheduling, requiring control and surveillance measures by the institution.
Descriptors: Medication errors; Drug prescriptions; Anti-bacterial agents
RESUMEN
Objetivo: analizar el perfil de errores de prescripción y programación de antimicrobianos en una unidad de clínica médica. Método: investigación observacional con 45 historias clínicas y 72 recetas de una unidad en un hospital de Piauí. La recolección se realizó entre septiembre y octubre de 2017, completando el checklist y el análisis fue descriptivo. Resultados: las cefalosporinas fueron la subclase farmacológica más prescrita, 52,8%. Los errores de prescripción más frecuentes fueron la ausencia del 76,4% de información sobre la duración del tratamiento y del 93,1% de la descripción de la forma farmacéutica. Los errores de programación registrados fueron el 18,6% de orden de administración con más de un antimicrobiano y el 11,1% de cambios programación sin indicación terapéutica, a lo largo del tratamiento. Conclusión: el perfil de los errores de prescripción más frecuentes fue el de incumplimiento de programación, requiriendo medidas de control y vigilancia por parte de la institución.
Descriptores: Errores de medicación; Prescripciones de medicamentos; Antibacterianos
INTRODUÇÃO
Os antimicrobianos constituem uma classe de
medicamentos primordiais no combate às infecções que, até então, representavam
sérios problemas de saúde pública, sendo responsáveis por elevadas taxas de
mortalidade e morbidade na população humana.1 Os benefícios que esses fármacos trouxeram são irrefutáveis, pois,
segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), os processos infecciosos
são responsáveis por cerca de 25% das mortes em nível mundial e aproximadamente
45% em países menos desenvolvidos. Os antimicrobianos constituem a classe de
medicamentos mais prescrita para tratar infecções, especialmente em
ambientes hospitalares, estando presente em
aproximadamente 30% dos prontuários dos pacientes.2
No entanto, apesar de sua significativa importância, o uso indiscriminado desses medicamentos leva a resistência bacteriana, ou seja, as bactérias desenvolvem defesas relativas ao seu uso. Isso torna o medicamento menos eficaz, pois provoca diminuição significativa das opções de tratamento e expõe o indivíduo às bactérias mais resistentes, constituindo uma séria ameaça para a saúde.3-5 No Brasil, os antimicrobianos são considerados uma das classes de medicamentos mais consumidas, o que impulsionou a aplicação de medidas que contribuem para a racionalidade no seu uso. Dentre essas, destaca-se a qualidade da prescrição, visto que fornece subsídio para o desenvolvimento de todos os outros passos necessários para a progressão adequada do consumo do fármaco.6-7
A prescrição é, portanto, um instrumento legal, que define o medicamento com as instruções sobre dosagem, frequência e duração do tratamento, expresso por meio da receita médica.8 É elaborada através do raciocínio clínico com base nos resultados dos exames, sendo imprescindível para o uso racional de medicamentos e eficácia da terapêutica.2 Os dados contidos nela são de fundamental importância não só para o uso correto dos medicamentos, mas também para a comunicação entre os profissionais, visto que constitui um elo entre o prescritor, paciente e o dispensador.9-10
Não obstante a essas condições, ressalta-se que o aprazamento também é um fator importante para o sucesso terapêutico, visto que sua correta realização garantirá a manutenção de níveis plasmáticos da droga, bem como favorecerá a adequada meia-vida deste medicamento, reduzindo as possibilidades de toxicidade. Essa atividade de determinar os horários para os medicamentos é função da enfermagem no ambiente hospitalar e, portanto, merece atenção nos estudos de erros de medicação. Entre as possíveis causas para tais erros estão: a falta de conhecimento da droga, a má comunicação entre profissionais e um desinteresse em analisá-las como influenciadoras para erros de prescrição.6
Reforça-se que a prescrição e o aprazamento têm forte relação com a frequência de erros de medicação, pois conforme estudo conduzido com 898 registros médicos com um total de 3.858 itens, os erros de prescrição variaram entre 2,7% a 96,6% comprometendo assim a segurança medicamentosa.11 No tocante ao aprazamento, dados de uma pesquisa conduzida no Ceará apresentam que este foi um fator relacionado à ocorrência de interações medicamentosas para 97 doses observadas, o que consequentemente culminou em erro.12
Assim, questiona-se: qual o perfil dos erros de medicação em prescrições e aprazamentos de antimicrobianos em um setor de clínica médica de um hospital de médio porte no interior piauiense? Tal pesquisa é justificada pelo fato de que erros de prescrição e aprazamentos com antimicrobianos podem ser um fator desencadeante da administração e do consumo irracionais destes, o que é algo grave para a saúde humana em geral, já que isso impõe limitações na grande variedade de medicamentos disponíveis para o tratamento de infecções, deixando os pacientes expostos a um número de cepas bacterianas cada vez maior e ainda mais resistentes. A partir deste panorama, objetivou-se analisar perfil dos erros em prescrições e aprazamentos de antimicrobianos em uma unidade de clínica médica.
Trata-se de uma pesquisa do tipo observacional, de fonte documental, com abordagem quantitativa, realizada em uma instituição hospitalar de médio porte do interior, em Picos, no Estado do Piauí, Brasil, no período de setembro a outubro de 2017.
O setor escolhido para a realização da coleta de dados foi a Ala B (clínica médica), a qual é destinada às situações clínicas gerais com um perfil variado de doenças e consequentemente multiplicidade de classes farmacológicas prescritas, inclusive antimicrobianos. Ressalta-se que neste hospital a prescrição é manual, realizada exclusivamente pelo médico e o aprazamento é realizado pelo enfermeiro. Destaca-se ainda, que há uma padronização de medicamentos que é elaborada e supervisionada pelo serviço de farmácia e Comissão de Controle de Infecção Hospitalar.
A fonte de informações constituiu-se por todos os prontuários disponíveis no setor, a partir da qual se filtrou aqueles com prescrição de antimicrobianos (45) entre os medicamentos recomendados para o tratamento do paciente. O critério de inclusão foi prontuário de paciente hospitalizado na unidade de clínica médica (ala B) com pelo menos um antimicrobiano inserido na lista de medicamentos prescritos. Excluíram-se os prontuários em que não tiveram o seu acesso liberado para a equipe de pesquisa. Ressalta-se que em um mesmo prontuário poderia haver mais de um antimicrobiano prescrito. Assim, o total de registros analisados foi igual a 72 prescrições de antimicrobianos.
Os dados foram colhidos por meio de um formulário do tipo checklist, contendo informações relativas ao tratamento medicamentoso prescrito; à qualidade das informações disponibilizadas na prescrição dos antimicrobianos; e à qualidade das informações sobre o aprazamento. Este instrumento foi elaborado pelos pesquisadores e preenchido com informações dos prontuários. A equipe de pesquisa compareceu diariamente à Ala B no turno matutino, visto que era o momento em que ocorriam as renovações das prescrições e a abertura dos aprazamentos.
Enfatiza-se que os parâmetros analisados no checklist foram embasados nas diretrizes da OMS, as quais definem erro de prescrição como aquele onde há pelo menos uma inconformidade na descrição e/ou redação das informações sobre nome do paciente, medicamento, dose, frequência, via de administração e/ou forma farmacêutica errada, indicação inapropriada, terapêutica duplicada ou redundante, alergia documentada a medicamentos prescritos, terapia contraindicada e ausência de informação crítica (idade, peso, creatinina sérica, diagnóstico, etc.) necessária para a dispensação e administração do medicamento. Erro de aprazamento é considerado quando não há documentação correta e/ou escolha incorreta dos horários e intervalos para a administração das doses de medicamentos.13
Os dados foram catalogados em um banco digital no programa Statistics Package Social Sciences, versão 20.0, para tratamento dos resultados, sendo realizadas as operações estatísticas para apresentação das frequências relativa e absoluta. Foram respeitadas as normas éticas de pesquisa, tendo a aprovação deste estudo sido avaliada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Ceará com número de parecer 237.393.
RESULTADOS
Dentre os 72 medicamentos prescritos, 38 (52,8%) são da subclasse farmacológica das cefalosporinas (Cefatolina, Ceftadizima e Ceftriaxona), sendo a Ceftriaxona sódica, o antibiótico mais utilizado em 34 (48,3%) das prescrições. 18 (25%) são da subclasse das lincosaminas (Clindamicina), sete (9,8%) das quinolonas (Ciprofloxacino e Levofloxacino), cinco (7%) representam as penicilinas (Amoxicilina, Azitromicina e Oxacilina), e quatro (5,4%) os nitroimidazólicos.
Em relação aos medicamentos prescritos, 54 (75%) foi com o nome genérico. Vê-se, ainda, que em 53 (73,6%) das prescrições havia associação entre antimicrobianos, isto é, foi prescrito mais de um ao mesmo paciente. No item referente à alergia ao medicamento, em nenhum dos prontuários havia esse registro. Sobre a troca de esquema antimicrobiano, 60 (83,3%) mantiveram o medicamento desde o início do tratamento até o dia da realização da coleta de dados (Tabela 1).
Tabela 1: Distribuição das variáveis relacionadas aos medicamentos prescritos para tratamento. Picos, Piauí, Brasil, 2017. n = 72 |
||
Variáveis |
n |
% |
Comercial |
18 |
25 |
Genérico |
54 |
75 |
Associação entre antimicrobianos |
||
Sim |
53 |
73,6 |
Não |
19 |
26,4 |
Descrição de alergia ao medicamento |
||
Sim |
0 |
0 |
Não |
72 |
100 |
Troca de esquema durante a internação |
||
Sim |
12 |
16,7 |
Não |
60 |
83,3 |
Fonte: dados da pesquisa, 2017. |
Na análise das prescrições devem ser considerados fatores referentes à elaboração da mesma, assim, dos 45 prontuários, 63 (87,5%) estavam legíveis; 42 (93,1%) possuíam a data atual; 34 (75,0%) continham o nome do paciente de forma completa; e 40 (90,3%) foram identificadas com nome e o número do registro profissional. Sobre a dose prescrita na sua devida unidade de medida, 39 (54,2%) estavam corretas. O tempo de duração do tratamento foi visto em apenas 17 (23,6%) das prescrições analisadas; e a forma farmacêutica estava presente em cinco (6,9%) destas. A via de administração e a forma de descrição da mesma estava clara e com sigla universalmente aceita em 70 (97,2%) das prescrições (Tabela 2).
Tabela 2: Distribuição das variáveis relacionadas aos erros de prescrição dos medicamentos. Picos, Piauí, Brasil, 2017. n = 72 |
||
Variáveis |
n |
% |
Prescrição legível |
||
Sim |
63 |
87,5 |
Não |
9 |
12,5 |
Ficha de prescrição datada* |
||
Sim |
42 |
93,1 |
Não |
3 |
6,9 |
Nome completo do paciente na ficha de prescrição* |
||
Sim |
34 |
75 |
Não |
11 |
25 |
Presença do nome e número do registro profissional* |
||
Sim |
40 |
90,3 |
Não |
5 |
9,7 |
Dose prescrita na devida unidade de medida |
||
Sim |
39 |
54,2 |
Não |
33 |
45,8 |
Tempo de duração do tratamento |
||
Sim |
17 |
23,6 |
Não |
55 |
76,4 |
Forma farmacêutica descrita |
||
Sim |
5 |
6,9 |
Não |
67 |
93,1 |
Via de administração descrita |
||
Sim |
70 |
97,2 |
Não |
2 |
2,8 |
Como foi descrita a via de administração |
||
Sigla |
70 |
97,2 |
Por extenso |
0 |
0 |
Inexiste |
2 |
2,8 |
*Nesta situação foi considerado n=45. Fonte: dados da pesquisa, 2017. |
Nas 27 prescrições em que havia uso de mais de um antibiótico, cinco (18,6%) apresentavam horários aprazados na ordem incorreta de infusão, ou seja, os antibióticos que agem no material genético bacteriano eram infundidos antes daqueles que agem na parede celular. Não houve incongruência entre o aprazamento e o intervalo solicitado pelo prescritor. Ocorreu mudança no aprazamento ao longo do tratamento em oito (11,1%) das prescrições, sem justificativas para essa alteração. Sobre a legibilidade no aprazamento, 70 (97,2%) apresentaram estavam legíveis (Tabela 3).
Tabela 3: Distribuição das variáveis relacionadas aos erros de aprazamento. Picos, Piauí, Brasil, 2017. n = 27 |
||
Variáveis |
n |
% |
Ordem adequada de aprazamento em prescrições com mais de um antimicrobiano* |
||
Sim |
22 |
81,4 |
Não |
5 |
18,6 |
Incongruência entre aprazamento e intervalo solicitado |
||
Sim |
0 |
0 |
Não |
72 |
100 |
Mudança no aprazamento ao longo do tratamento |
||
Sim |
8 |
11,1 |
Não |
64 |
88,9 |
Legibilidade no aprazamento |
||
Sim |
70 |
97,2 |
Não |
2 |
2,8 |
*Nesta situação foi considerado n=27, tendo em vista que apenas 27 prontuários apresentaram prescrição com mais de um antimicrobiano. Fonte: dados da pesquisa, 2017. |
A prescrição constitui uma ferramenta de comunicação indispensável para orientar e garantir a efetividade do tratamento medicamentoso.10,14 Embora o esquema terapêutico possa ser reavaliado e modificado sempre que necessário, o ato deve ser realizado prezando a segurança do paciente com o objetivo de mitigar possíveis dúvidas da equipe multiprofissional que estará envolvida durante a trajetória hospitalar desse paciente.6
Em se tratando de antimicrobianos, a necessidade da confecção adequada da prescrição torna-se ainda mais urgente. Um erro nesse instrumento não se limita a não alcançar o resultado esperado, mas pode gerar repercussões em âmbito assistencial, social e econômico.15 Entre os efeitos mais conhecidos estão: adquirir infecções por cepas resistentes e aumentar o tempo de internação e o período de disseminação microbiológica do ambiente hospitalar para outros pacientes, causando comprometimento da saúde individual e coletiva.6
Quanto a apresentação das prescrições, em sua maioria continham o nome genérico do princípio ativo e em boa legibilidade, no entanto, percebeu-se ausência de informações mais precisas sobre a forma de diluição e administração do medicamento, bem como o tempo de duração do esquema terapêutico, que no caso de antimicrobianos é crucial para garantir a eliminação eficiente das bactérias e não exceder as doses toleráveis. Dados similares foram encontrados numa pesquisa desenvolvida em Pelotas, na região Sul do Brasil, em que a ausência da posologia (97,2%), concentração da droga (38,2%) e forma farmacêutica (83,1%) foram os pontos mais críticos.16
Em outro estudo é possível constatar casos de prescrição medicamentosa por nomenclatura genérica em 45,8% do total analisado,17 o que é um ponto positivo, pois este ato melhora o acesso institucional aos produtos de qualidade com preço acessível.10 Nesse contexto, a ausência da forma farmacêutica pode resultar em dúvidas na dispensação do medicamento e, consequentemente em prejuízo na terapêutica implantada.15
Outro ponto crítico em relação à ausência de informações diz respeito à duração do tratamento, ausente em 61, 30% de 1.098 prescrições analisadas em uma farmácia do Paraná, em que, os autores consentem a possível justificativa pelo hábito de indicar a quantidade do medicamento a ser dispensado, em caixas ou frascos, por exemplo. Tal prática pode ocasionar incompletude do tratamento por dispensação insuficiente ou o prolongamento deste, oportunizando episódios de toxicidades e gastos desnecessários.2
É preciso ainda, que uma prescrição contenha data, para que seja possível verificar a validade dela, que normalmente dura 24 horas. Em um estudo constatou-se que nenhuma das prescrições avaliadas apresentava data da prescrição,16 o que são dados preocupantes, uma vez que diante da alteração do esquema pelo médico, a não verificação propicia confusão e administração segundo prescrição do dia anterior.17
Para alcançar a administração correta é imprescindível a identificação adequada do paciente, além do nome completo é possível encontrar no prontuário e na prescrição o número do leito de internação, como forma de confirmar a identificação. Entretanto, em 25% das prescrições aqui analisadas não havia o nome completo do paciente, tal situação aumenta a exposição aos riscos iatrogênicos, principalmente o de receber medicamento destinado a outro paciente e de gerar trocas de receitas e exames.15
Parte integrante da prescrição é o aprazamento, nesse aspecto, a ocorrência de um erro sofre influência de diversos fatores e dentre eles estão os problemas de comunicação entre a equipe e a má qualidade na clareza ou nitidez caligráfica médica, que implica não apenas em efeitos no tratamento escolhido, mas também pode aumentar os custos para o hospital.18 Concomitante a isso, está a legibilidade neste aprazamento, uma vez que a interpretação está prejudicada, o profissional realiza a administração do medicamento guiado pelo empirismo.
Nesse sentido, notou-se que o aprazamento estava organizado e legível. Todavia, a ordem de infusão dos antimicrobianos, em algumas situações, não estava apropriada, colocando em risco a segurança do paciente e a eficácia do tratamento, visto que a administração desordenada pode gerar prejuízos na metabolização e aproveitamento das drogas por parte do organismo. Tal fato pode ser justificado porque, muitas vezes o aprazamento pode estar submetido aos horários de atendimento dos serviços médico e da farmácia, desconsiderando em parte, a melhor prática clínica para o paciente.19 Embora a maioria das prescrições apresentassem legibilidade e unidade de medida adequada, é útil refletir que nas situações em que o oposto foi percebido, há o risco de evento adverso ao paciente.
É importante ressaltar que, embora o aprazamento sirva para favorecer a ação dos fármacos, permitindo que a administração primária de um, facilite o acesso ao agente infeccioso por parte de outro, o descumprimento deste processo vai além de prejuízos farmacológicos, pois constitui parte integrante da assistência clínica de qualidade.18 Assim, a principal consequência, de não seguir a prescrição, consiste no uso irracional dos antibióticos, fator-chave no desencadeamento de resistência bacteriana.2
Nesse contexto cita-se, o caso de uma prescrição contendo Ceftriaxona Sódica e Cloridrato de Clindamicina, onde é importante que o primeiro administrado seja o Ceftriaxona, já que a mesma age na inibição da parede celular, enquanto o Clindamicina atua na inibição da síntese proteica.2 Nos presentes resultados, encontrou-se que 18,6% das prescrições não se encontravam com o aprazamento na ordem adequada, desfavorecendo o efeito máximo de cada medicação.
No tocante à mudança no aprazamento durante o tratamento, um percentual de 11,1% apresentou mudanças, seja por equívoco ou por alterações no esquema adotado. Outro fator relevante é a clareza na realização do aprazamento, é através deste que o enfermeiro pode organizar um plano terapêutico capaz de otimizar os resultados esperados e evitar interações medicamentosas negativas. Além disso, o plano deve ser ajustado, segundo a solicitação médica e não somente às rotinas e normas da instituição, como é de ocorrência notória, fato acordado também por um estudo realizado em uma Unidade de Terapia Intensiva e hospital de Emergência do Rio de Janeiro, onde foram encontradas 43 interações graves.12,20
A associação entre antimicrobianos deve ser estudada com cautela, embora duplicidades e interações devam ser evitadas, muitas vezes se fazem necessárias para que se atinja o agente infeccioso de forma mais eficaz, diminuindo a probabilidade de resistência bacteriana. Nesse estudo, houve 73,6% de associações entre antimicrobianos, entretanto não foram detectadas interações antagonistas, o que é bom, pois erros nesse aspecto podem diminuir a eficácia do tratamento e aumentar os riscos de eventos adversos.20
Considerando que o grau de toxicidade da maioria dos antimicrobianos é elevada para órgãos nobres, como fígado e rim, assim como a alta frequência de relatos alérgicos a alguns princípios ativos, é recomendado que a informação sobre alergias esteja presente nas prescrições, a fim de evitar efeitos indesejados pela administração descuidada.21 Apesar disso, na verificação dos prontuários e das prescrições deste estudo, não se identificou registro de alergia aos antimicrobianos indicados para o paciente. Porém, quando analisada a troca de esquema terapêutico, obteve-se 16,7%, tal fato desperta atenção tanto pela possibilidade de rejeição ao medicamento, como para um possível equívoco no momento do diagnóstico, podendo caracterizar assim, erro nessas prescrições.
Face à constatação produzida por esse estudo, espera-se que ele possa contribuir para alertar aos profissionais de enfermagem quanto à necessidade de organizar os horários de administração dos antimicrobianos, atendendo aos princípios farmacocinéticos e farmacodinâmicos, de modo a garantir maior eficácia quanto ao princípio ativo utilizado e evitar as interações. Em paralelo, sinaliza para a possibilidade contínua de educação permanente junto aos prescritores e medidas eficazes de vigilância de conformidades no sistema de medicação em área hospitalar.
CONCLUSÃO
Desse modo, verifica-se que os erros de prescrição apresentaram um perfil com maior frequência de inconformidades em relação aos erros de aprazamento, sendo necessárias medidas de controle e vigilância por parte da instituição.
É importante citar que durante o desenvolvimento da pesquisa estiveram presentes algumas limitações de generalização dos resultados, como o número de prescrições relativas a apenas um hospital, o não acompanhamento de possíveis registros de intercorrências e intervenções de enfermagem com os pacientes e o curto período da coleta dos dados.
Apesar das limitações, o estudo traz contribuições importantes para a prática de enfermagem nos aspectos da assistência e gestão, à medida que aponta aspectos que podem ser melhorados a partir da conduta do enfermeiro, como no aprazamento, de modo a identificar falhas e melhorar processos voltados à segurança medicamentosa, e alerta para a necessidade urgente de revisão dos protocolos assistenciais, controle e vigilância de eventos adversos de modo a melhorar a segurança ao paciente.
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Data de submissão: 04/06/2020
Data de aceite: 12/09/2020
[1] Enfermeira. Especialista em Urgência e Emergência. Universidade Federal do Piaui (UFPI). Piauí (PI), Brasil. E-mail: carolinapimentel@hotmail.com http://orcid.org/0000-0003-0517-1661
[2] Enfermeira. Mestre em Farmacologia. Universidade Federal do Ceará (UFC). Ceará (CE), Brasil. E-mail: virginialeyla@hotmail.com http://orcid.org/0000-0002-5571-7653
[3] Enfermeira. Especialista em Urgência e Emergência. Hospital Regional Justino Luz (HRJL). Piauí (PI), Brasil. E-mail: sabarros@hotmail.com http://orcid.org/0000-0002-5136-1362
[4] Discente do curso de Enfermagem. Universidade Federal do Piaui (UFPI). Piauí (PI), Brasil. E-mail: r.ks@hotmail.com http://orcid.org/0000-0002-7509-1790
[5] Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Universidade Estadual do Ceará. Ceará (CE), Brasil. E-mail: rhannaflima@gmail.com http://orcid.org/0000-0002-3406-9685
[6] Enfermeiro. Doutor em Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde. Universidade Federal do Piauí (UFPI). Piauí (PI), Brasil. E-mail: gilberto.fp@hotmail.com http://orcid.org/0000-0002-7744-6030
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