A SOROPOSITIVIDADE E O PERIGO HOMOSSEXUAL: A ECONOMIA BIOPOLÍTICA DO DISCURSO DE JAIR BOLSONARO
Resumo
Este artigo pretende analisar o funcionamento do discurso de Jair Bolsonaro sobre as homossexualidades e sua relação com o perigo e o risco, notadamente marcados pela presença da aids e do hiv. Para tanto, parto de uma rede conceitual que leva em consideração os regimes tecnobiopolíticos, os dispositivos da aids e a assunção da função enunciativa como rede complexa, na qual a produção e a atualização da memória têm lugar estratégico central. O corpus é formado por sequências discursivas nas quais Bolsonaro se refere aos homossexuais e à aids, coletados on-line e que estão compreendidos a partir da posse do capitão. Além disso, uma rede de discursos é solicitada no intuito de pensar as condições de produção e a coexistência enunciativa das falas de Bolsonaro. Nota-se que, o funcionamento discursivo em questão se marca por um modelo de masculinidade e e por um regime tecnobiopolítico característico da Nova Direita, que se materializa por uma série de cisões e exceções que os excertos deixam ler. Conclui-se que é sob a égide de construção de uma alteridade perigosa que Bolsonaro erige uma espécie de “limpeza” discursiva nas quais as minorias de gênero ocupam ora um lugar negativo – cujo limite é a morte.
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DOI: https://doi.org/10.15210/cdl.v0i41.21630
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