O RETROCESSO EMPURRA A PORTA: A LITERATURA INFANTIL E O PROGRAMA CONTA PRA MIM
Resumo
Este trabalho problematiza o tratamento dispensado à literatura infantil no programa Conta pra mim, instituído pelo governo federal em 2020. A partir da análise de documentos desse programa, revela como a atual perspectiva oficial para a alfabetização nega a oferta de literatura infantil e suprime o acúmulo de conhecimentos historicamente elaborados sobre alfabetização, sobre educação literária e sobre literatura infantil. Discute como a defesa da educação familiar, em um contexto de crescimento do conservadorismo, relativiza o direito à educação básica. Afirma que a convivência social e a educação literária desaguam também no contexto da educação escolar, lócus que se sustenta não pelo afastamento e enclausuramento das famílias, mas, ao contrário, se ampara também na pluralidade delas e no diálogo com suas respectivas demandas. Conclui que a proposta de leitura para as crianças, nos moldes literacia familiar apresentados, nega o acesso à arte e está confinada a finalidades utilitaristas, imediatistas, moralizadoras, que não contribuem com transformação da sociedade, mas com a sua reprodução.
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PDFReferências
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