LITERATURA AFRO-BRASILEIRA E AFRICANA PARA A INFÂNCIA: QUE HISTÓRIAS SE DÃO A CONTAR-PRATICAR NA ESCOLA?

Carla Fernanda Brito Bispo, Heloísa A. Matos Lins

Resumo


O artigo discute a literatura para a infância numa perspectiva antirracista e decolonial, concebendo a discursividade direcionada ao público infantil como (des) intensificadora dos direitos (não/) humanos e dos direitos das crianças (não) universalistas, a partir de uma cartografia em escola pública do Ensino Fundamental. Com o aporte deleuzo-guattariano, os dados foram produzidos por meio de observação cotidiana - registrada em diário de campo - e de conversas com cinco professoras (negras e brancas) e oito crianças (negras e brancas). De modo geral, verificou-se que o trabalho com a literatura infantil - que tratou da temática negra/ afro-brasileira e africana - desenvolveu-se de formas variadas e com objetivos distintos, na atuação de cada docente. Nesse contexto, destacaram-se duas tendências nas práticas pedagógicas com as obras literárias: a) promover a valorização da identidade negra e b) abordar determinados conteúdos como “aplicação” ao currículo escolar. Os principais resultados foram evidenciados a partir da problematização de algumas escolhas literárias que são aqui apresentadas e evidenciam uma representação estereotipada dos personagens negros no enredo e ilustrações, em alguns casos. Diante desse cotidiano analisado, a pesquisa enfatizou a necessidade de ações formativas que subsidiem a prática pedagógica com a literatura infantil, na perspectiva de uma educação antirracista, e também remete à urgência de uma produção literária interseccional que busque romper, de fato, com os preconceitos, privilégios e horrores de nossa sociedade, destacadamente os engendrados pelo racismo.


Palavras-chave


Literatura para a infância; direitos humanos; direitos das crianças; literatura afro-brasileira e africana; literatura negro-brasileira.

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DOI: https://doi.org/10.15210/cdl.v0i38.19436



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